Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial reforça demanda por ações concretas

A OAB tem um compromisso histórico de luta em defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, o combate à discriminação racial é parte inegociável dessa ação. Um exemplo desse engajamento é a Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, proposta pelo Conselho Federal em defesa da Lei de Cotas (Lei 12.990/14), a qual reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos. Outro é a participação no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que trata da realização de operações policiais nas comunidades do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia.

A entidade enxerga o 21 de março – Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial – como uma efeméride que marca a necessidade de ampliar as lutas por uma pauta fundamental. “Os gargalos são muitos. Eles estão no acesso ao mercado de trabalho, à educação, no acesso à moradia, à água limpa, na forma como homens e mulheres negras que vivem no Brasil são impactados pelo processo de racismo e discriminação racial cotidianamente. Só uma pessoa preta sabe o que é entrar num estabelecimento comercial e ter de ficar ‘brincando’ de esconde-esconde sem ter sido convidada para essa ‘brincadeira’. Isso tudo é muito sério”, diz a conselheira federal por São Paulo, Alessandra Benedito, mestre e doutora em Direito Político e Econômico e pesquisadora em Raça e Gênero e Mercado de Trabalho.

O relatório “A Desigualdade racial no Brasil nas três últimas décadas”, de Rafael Guerreiro Osorio, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chama a atenção para um aspecto crucial da discriminação: a desigualdade racial de renda.

No texto diz que “nas últimas três décadas, a desigualdade racial de renda persistiu quase intocada no Brasil”. Em seguida, o relatório afirma: “De 1986 a 2019, houve apenas uma ridícula redução dessa desigualdade”, aponta o documento, que destaca ainda que a renda média dos brancos persiste sendo o dobro da renda dos negros. “Somente em 2014, quando a renda média dos brancos chegou a US$ 24 por dia, a renda média dos negros ultrapassou o mínimo histórico dos brancos, de US$ 12, em 1992”.

O marco para a celebração do Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial é o episódio conhecido como Massacre de Sharpeville. Em 21 de março de 1960, a polícia de Gautung, África do Sul, abriu fogo contra uma manifestação pacífica que protestava contra as políticas segregacionistas do Apartheid. Em especial contra a lei do passe, que determinava que homens negros acima dos 16 anos deveriam portar uma caderneta com informações pessoais detalhadas e uma lista de lugares em que poderiam circular. Na ocasião, 69 pessoas morreram. Em 1966, a Assembleia Geral da ONU adotou o 21 de março como data oficial na luta contra a discriminação racial.

Discriminação sem fronteiras
Ex-presidente, por três gestões, da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra da OAB Nacional e por duas gestões da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB-RJ, Humberto Adami chama a atenção para o crescimento do racismo, apesar das lutas e das conquistas nos últimos anos.

“Nos últimos três anos, no plano brasileiro e no cenário mundial, as incursões do racismo em geral, não só contra os negros, mas também contra outras etnias, aumentaram muito. Até na guerra da Ucrânia houve discriminação nos movimentos de retiradas das populações civis, quando negros e descendentes de africanos foram impedidos de sair. Por causa da cor da pele”, afirmou ele, que sublinhou a discriminação contra árabes, judeus e chineses. “E muitos bolivianos sofrem com isso aqui no Brasil. Porém, a discriminação contra o negro ultrapassa fronteiras, ela ocorre independentemente da sua nacionalidade”, acrescentou.

Alessandra critica a ideia de “democracia racial”. “É literalmente um mito. Não vivemos numa sociedade em que pretos e não pretos são tratados como iguais. Muito pelo contrário, o acesso a toda coletividade de direitos fundamentais é impactado de uma maneira não positiva quando pessoas pretas são tratadas de uma forma violenta, o que nos mata aos poucos todos os dias”, diz ela.

Ela aponta para o racismo estrutural, que segundo descreve, se organiza a partir das estruturas múltiplas para garantir um processo de inferioridade de um grupo humano e superioridade do outro, para garantir os privilégios da branquitude. “Está presente em todos os dados estatísticos que a gente possa observar, ainda que os dados estejam desatualizados”, dispara ela.

A presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Silvia Souza, afirma que nos últimos dois anos, desde o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, o combate ao racismo se intensificou e a compreensão da discriminação racial como problema estrutural e endêmico vem sendo ampliada na sociedade.

Segundo ela, do ponto de vista formal, houve avanços em algumas instâncias do Judiciário, que passou a compreender o racismo como questão estrutural, causador de desigualdades sistemáticas e que produz consequências práticas aviltantes para as pessoas negras. “No entanto, ainda há muito o que avançar em outras áreas do direito, bem como na pacificação do entendimento firmado neste exemplo do caso do menino Miguel Otávio Santana da Silva”, afirma ela, referindo-se ao caso do menino que morreu após cair do nono andar de um prédio em que sua mãe trabalhava no Recife (PE).

Protagonismo da OAB
No dia 14 de abril de 2021, foi publicada a Resolução 5/20, que alterou o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB para estabelecer paridade de gênero (50%) e a política de cotas raciais para negros (pretos e pardos), no percentual de 30%, nas eleições da OAB. Adami aponta o avanço e afirma que é possível progredir ainda mais.

“A OAB fez um trabalho importante de inclusão nas suas últimas eleições com a instituição das cotas raciais para pretos e pardos. Passado o processo eleitoral, está claro que muitas medidas precisam ser aperfeiçoadas porque muitas são as denúncias dos ‘falsos pardos’. Porém, no quadro geral, as eleições foram um avanço histórico. Não só pela inclusão de pretos e pardos, mas pela questão da paridade de mulheres. Muitas mulheres negras entraram em lugares que não eram vistas”, diz ele.

Alessandra destaca que a OAB deve continuar a contribuir com a sociedade na luta para combater a discriminação racial. “Podemos ajudar a sociedade a esclarecer o quanto a discriminação racial e o racismo nos impactam. Somos uma voz pela ação contra o racismo com força para poder emergir e conversar com os demais poderes e com a sociedade, para que a gente veja o quanto estamos sendo permeados ou não pela questão racial nas diversas possibilidades do dia a dia enquanto juristas”, declara ela.

A presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB evoca a tradição de enfrentamento da entidade para aprimorar essa militância. “A OAB tem na sua gênese o compromisso com a justiça social e os direitos humanos. Tem papel fundamental na atuação perante o Judiciário, inovando e trabalhando para firmar entendimento de teses e também na dimensão educacional, proporcionando a advogadas e advogados, bem como à população em geral, informação e formação consistente e fidedigna em relação ao combate ao racismo”, declara Silvia.


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