Presidente da OAB-RO quer melhorar tecnologia para o dia a dia da advocacia
Márcio Nogueira viu a OAB transformar a própria vida e, agora, à frente da seccional de Rondônia, quer fazer o mesmo pela entidade. Para isso, pretende usar da tecnologia para facilitar o dia a dia do advogado e apresentar a ele novas possibilidades, por meio do primeiro laboratório de inovação da entidade. Ao mesmo tempo, não abdica do presencial: advocacia se faz no olho no olho.
“Antes da Ordem eu achava que advogar era cumprir prazo. E advogar não é cumprir prazo. É você cultivar no coração do cidadão o sentimento de Justiça. Isso só se faz com olho no olho, com conversa, com diálogo”, diz. Nessa linha, a OAB-RO faz, hoje, uma forte defesa do retorno dos magistrados aos fóruns e da fixação de residência na cidade em que atuam.
Na avaliação dele, grande parte da força que a advocacia tem na Constituição vem do papel exercido ao longo do tempo na defesa da democracia. E ele entende que quanto mais a Ordem se coloca como a voz da sociedade, mais tem força para defender a advocacia. Mas sem assumir uma pauta político-partidária.
Para os advogados e advogadas, o laboratório que teve o primeiro ciclo iniciado recentemente vai tratar de tecnologia, mas também de precificação do trabalho, de marketing e de novas e diferentes áreas que podem demandar atuação dos profissionais, como de games, diabéticos ou a comunidade LGBTQI+.
Confira aqui a íntegra da entrevista.
CFOAB – Qual será o foco de sua gestão?
Márcio Nogueira – A realidade, do jeito que nós a conhecemos, está sendo devorada pela tecnologia. Não adianta a advocacia e a Ordem acharem que nós passaremos ilesos por esse processo. É impossível. Então, qual é o foco da gestão? É impulsionar esse processo de transformação. É fazer uma Ordem que tenha disposição de transformar a si para se colocar relevante diante da realidade e, o principal, que tenha a capacidade de ajudar a advocacia a se transformar para se colocar relevante nessa realidade. A palavra que mais eu tenho usado é transformação. Eu defendo muito que a advocacia e a Ordem abracem a tecnologia. Não adianta lutar contra. Não adianta lutar para que o processo volte a ser de papel, que nós vivamos do jeito que vivíamos anteriormente. E nós perderíamos relevância como profissão, como entidade. Nessa linha, uma das principais ações nossas é o primeiro laboratório de inovação da advocacia em todo o Brasil. O foco da gestão é transformação e a gente já começou a fazer. Fomos a primeira a OAB a fazer o registro de sociedade todo online. Eu agora quero ser a primeira a registrar em segundos. O advogado, hoje, para ter acesso a um regime de tributação favorável, precisa ter sociedade, e aí consegue tributação de 4,5%. Eu quero facilitar bastante. Esse é um processo que demorava meses. Eu consegui reduzir para dias. Agora quero reduzir para segundos. Em segundos ele ter o ok dele já com CNPJ da sociedade registrada. E essa é uma lógica que eu quero aplicar a todos os serviços da OAB. Eu vejo a OAB como um grande aplicativo. Eu quero que o advogado acesse os nossos serviços com a máxima efetividade e qualidade. Eu tenho trabalhado por isso todos os dias.
CFOAB – Qual é a ideia desse laboratório?
Márcio Nogueira – A ideia central é que o jeito de advogar, o modelo de advocacia precisa ser renovado. Não adianta eu achar que eu vou me estabelecer como advogado e construir uma carreira do jeito antigo. É preciso repensar a própria advocacia. E esse nosso laboratório de inovação nasce com essa intenção de colocar uma série de questões para a advocacia treinar o olhar para diversas áreas e ajudar o advogado a construir um novo modelo de advocacia. O advogado vai ter treinamento em financeiro, marketing, tecnologia para entender quais são as tendências do futuro, uma série de áreas que nós não somos treinados na faculdade. E ele vai ter acompanhamento do começo ao fim de um mentor para ajudá-lo a desenvolver um modelo de advocacia que, ao final, ele vai nos apresentar. No sábado, nós tivemos uma batalha de mentores. Tivemos em torno de 200 inscrições para o laboratório. Tiveram uma aula sobre pitch, que é um conceito que as startups usam para explicar como você transforma a vida do teu cliente em três minutos. A gente é treinado para pensar sobre a lei. Não para comunicar dessa maneira. Cada um deles passa por um treinamento, e aí na sequência cada um deles vai fazer um pitch. E os mentores vão batalhar pelos mentorados, formar os time, e esses tutorados vão participar de uma trilha de conhecimento de seis meses em habilidades que não são treinadas na faculdade, com o apoio desse mentor para, ao final, fazer uma nova apresentação do seu modelo de advocacia. A ideia é que nós tenhamos cinco ciclos ao longo da gestão. Começamos agora o primeiro. Vamos ter dois ciclos por ano. A ideia é que quando eu tenho um grupo de 200, 500, 1 mil, 2 mil advogados treinados para pensar diferente, eu consigo elevar o mercado. E a gente está começando pelo básico. Por exemplo, ninguém nunca me ensinou a precificar. Na prática, o advogado acaba fazendo de cabeça e isso gera um problema gravíssimo. Sem um financeiro bem posto, ele vai ter grande dificuldade de manter a advocacia dele e manter a si mesmo. Eu vou te dar aqui um exemplo do que eu quero chegar no final. Esses dias eu vi algo espetacular. Um advogado especializado em defesa dos gamers. Esse advogado percebeu que tem gente que fica meses jogando em plataformas na internet, evoluindo no jogo e eventualmente acontece de ele ser banido pelo gestor daquele jogo. Esse banimento pode ser ilícito. Quando ele é banido, tem que voltar à estaca zero. E pode ser ilícito esse banimento. E se esse banimento pode ser ilícito, você tem aí um campo gigantesco para a advocacia atuar. O mercado de games hoje movimenta bilhões de dólares. É um oceano azul para a advocacia. Outro dia eu vi um outro modelo interessantíssimo. Um advogado especializado em diabéticos. Ele percebeu que os diabéticos comumente têm o tratamento negado pelos planos de saúde. O tratamento é continuado, exige sessões a mais do que os planos autorizam e, portanto, os diabéticos vivem em conflito com os planos de saúde. Então ele atende o país inteiro, somente nessa relação diabético-plano de saúde. Você tem dúvida que esse mercado é gigantesco? Tem outro caso espetacular de uma advogada especializada na comunidade LGBTQIAP+. Essa é uma comunidade que está, hoje, expandindo as fronteiras dos seus direitos. O meu ponto é que a OAB de Rondônia estimule a advocacia a desenvolver modelos que sejam condizentes com a realidade. A gente está fazendo isso pelo laboratório de inovação.
CFOAB – O foco não é apenas a tecnologia então?
Márcio Nogueira – Nós temos que abraçar a tecnologia, porque ela nos ajuda naquelas atividades que são repetitivas, que não são humanas. Então quanto mais o advogado abraça a tecnologia, mais tem tempo para fazer o que realmente dá resultado para ele: cuidar do cliente. A tecnologia é enxergada, por esse laboratório, como uma ferramenta. No meu próprio escritório, eu trabalho com gestão de grandes carteiras. O meu foco é desjudicialização. Uma empresa que tem muitos processos me contrata com uma finalidade: matar essa carteira, pegar esses processos e criar uma estratégia para diminuir consideravelmente essa carteira. Então eu tenho um volume muito grande de protocolos por dia. Antigamente eu tinha um time de pessoas que ficavam o dia todo fazendo protocolos no PJe. Agora eu tenho um robô. E com isso eu consigo colocar o meu esforço no atendimento ao cliente, na atenção ao cliente, na redução da carteira dele. Então o laboratório tem foco ou tecnologia, mas o foco principal do laboratório é desenvolver o advogado para que ele enxergue as oportunidades, que são muitas que nós temos hoje no mercado.
CFOAB – Qual é a importância da OAB para a advocacia?
Márcio Nogueira – Para usar uma frase que não é minha, quando eu assumi a Ordem, eu convidei para fazer um vídeo o presidente da sessão de instalação da OAB de Rondônia, que foi o nosso primeiro inscrito, o dr. Arquilau de Paula. E ele disse, sobre a missão da Ordem: a Ordem é o órgão de defesa da advocacia. Então a força da advocacia está na força que a Ordem tem. É fundamental a existência da Ordem para manter a advocacia com a força que ela tem. E por isso que, nesse contexto atual, de mudanças muito grande, é que eu acho que essa manutenção da força da advocacia passa por uma Ordem que impulsiona a advocacia a se transformar. Não adianta só fazer defesa de prerrogativas. A defesa de prerrogativas é fundamental. A defesa dos honorários é fundamental. Algumas bandeiras da Ordem são fundamentais. Mas se eu não defendo a transformação, se eu não ajudo o advogado a se transformar para essa outra realidade, as outras todas caem. Então a Ordem é o órgão de defesa da advocacia e nessa defesa um ponto principal no mundo de hoje é ajudar o advogado a se colocar nessa nova realidade.
CFOAB – Qual é a importância da OAB na sua vida?
Márcio Nogueira – Eu comecei na advocacia e acabei com aquela dificuldade inicial, mas você uma hora você acerta e as coisas acontecem. Eu era um advogado que tinha muito prazo para cumprir, trabalhava muito e não tinha nenhuma relação com a Ordem. E aí um amigo, Andrey Cavalcante, resolveu ser candidato a presidente e perguntou se poderia colocar meu nome na chapa. Nós fomos vitoriosos e eu me tornei conselheiro seccional da OAB. A vivência aqui na Ordem foi me fazendo me apaixonar pela instituição. Então eu fui conselheiro seccional na primeira gestão dele, na segunda fui secretário-geral, e o presidente seguinte foi o Elton Assis também me convidou para seguir na Secretaria-Geral. Na Secretaria Geral, nós implantamos alguns programas que são pioneiros em todo o sistema. A OAB-RO foi a primeira a funcionar inteiramente no digital. Nós digitalizamos todo o acervo da seccional, um acervo de quase 40 anos à época. Desde a inscrição do advogado, passando pelo TED, pela Comissão de prerrogativas, nós fomos a primeira OAB do Brasil a fazer todos os registros de sociedade do advogado no digital. O advogado entra na internet, dá entrada no contrato social dele e sai de lá com CNPJ. Então eu comecei por acaso, em 2013, me apaixonei e desde então tenho trabalhado para melhorar o sistema. A Ordem me ensinou que não há nada mais importante do que a conexão que você cria com as pessoas. Antes da Ordem eu achava que advogar era cumprir prazo. E advogar não é cumprir prazo. É você cultivar no coração do cidadão o sentimento de Justiça. Isso só se faz com olho no olho, com conversa, com diálogo. A Ordem transformou completamente a minha vida. Graças à Ordem hoje eu entendo o que realmente vale a pena, que é essa conexão que a gente cria com as pessoas.
CFOAB – Pode contar um pouco da sua história com a advocacia, de onde surgiu o interesse?
Márcio Nogueira – Não sei te dizer quando eu tomei a decisão. Quando eu procuro na memória, eu sempre disse que seria advogado. Não tem ninguém na família na advocacia. Fui o primeiro a fazer o curso de direito, mas eu não consigo dizer quando esse sentimento nasceu. Parece uma coisa natural. Não teve um momento. Nunca me imaginei fazendo outra coisa. E eu não tenho nenhuma referência. Meus pais são comerciantes pela vida inteira, não têm curso superior. Mas a advocacia tem uma capacidade sem igual de transformar a realidade. É uma capacidade gigantesca de transformar a vida de cada uma das pessoas e de uma forma coletiva. A força que a nossa atuação tem na sociedade é algo que me motiva enormemente. A promessa de cidadania que a Constituição fez está muito longe de ser cumprida e a nós foi confiada essa missão de fazer essa promessa cumprida. Tem trabalho que não acaba nunca na advocacia.
CFOAB – Gostaria de falar de outros temas que julga importantes?
Márcio Nogueira – A minha bandeira principal é de transformação. É um mandato que quer transformar a Ordem, que abraça a tecnologia para transformar a Ordem e a Ordem servir melhor a advocacia, mas principalmente para que a Ordem tenha um papel de impulso na transformação da democracia. Uma luta que nós temos empreendido aqui na OAB de Rondônia é que o magistrado more na comarca em que ele judica. Esse é um ponto importante. A pandemia nos fez reinventar o modo como a Justiça funcionava e passamos a funcionar em telas. Eu acho incrível. Eu acho incrível que nós possamos fazer a Justiça acontecer de qualquer lugar, mas eu não acho que a Justiça caiba inteira numa tela de computador. Eu tenho defendido e lutado para que a Constituição Federal e a Loman sejam cumpridas e os magistrados residam na comarca em que judique. Eu tenho lutado para que o advogado tenha a sua prerrogativa de ir até o fórum, abrir a porta e encontrar o magistrado. Eu não tenho dúvida de que nós conseguimos resolver muitas coisas pela tela. Mas nada se compara a um olho no olho presencial. Eu defendo que a Ordem assuma um papel de protagonismo na construção desse novo sistema de Justiça. A Ordem não pode ser arrastada por esse processo. Ela tem que ser protagonista. A Ordem precisa defender um modelo de sistema de Justiça e lutar por ele. Há quem fale que o juiz pode morar em Miami, tanto faz, que o Judiciário pode funcionar inteiramente numa tela de computador. E eu acho que isso não é Justiça. E eu acho que a Ordem precisa assumir uma posição quanto a essa temática.
CFOAB – Falamos da importância da OAB para advocacia, mas o senhor também mencionou o papel de destaque da OAB na sociedade. Como tem que ser essa atuação?
Márcio Nogueira – Grande parte da força que nós temos da Constituição vem do papel que nós temos exercido ao longo do tempo na defesa da democracia. Quanto mais a Ordem se coloca como a voz da sociedade, mas tem força para defender a advocacia. Eu defendo muito e tenho praticado uma gestão que se coloca no fortalecimento de temas de interesse coletivos, mas sempre com a preocupação de não assumir qualquer posição político-partidária. Mas é uma linha tênue e a gente precisa ter atenção com ela. Não há espaço para a OAB na vida político-partidária. Uma Ordem que vocaliza o sentimento da sociedade, mas sem assumir uma pauta político-partidária.
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