“A paridade de gênero é um movimento que não tem volta”, diz presidente da OAB-BA
Ex-presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA), a advogada Daniela Borges foi eleita em 2021 a primeira presidente mulher da OAB-BA. Ela é uma das cinco presidentas seccionais eleitas para a atual gestão, um marco no sistema OAB que nunca havia tido tantas mulheres presidindo seccionais ao mesmo tempo. Para Daniela, esse é um movimento que não tem volta.
Segundo a ela, a paridade de gênero está instituída e as mulheres que hoje assumem as presidências das seccionais e subseções farão um trabalho excelente. “Nosso lema é chegarmos juntas e em um número cada vez maior. Então não há dúvidas também que nas próximas eleições teremos ainda mais candidatas pleiteando os cargos de direção da OAB”, prevê a dirigente baiana.
Advogada tributarista há mais de 20 anos, Daniela é professora titular da UFBA e da Faculdade Baiana de Direito. Criada na cidade de Itapetinga, no interior baiano, fez faculdade na Universidade Federal de Minas Gerais, onde também cursou Mestrado na área Tributária. Daniela milita na Ordem desde 2003. Foi conselheira seccional e diretora tesoureira.
Nessa entrevista, Daniela fala da luta das mulheres dentro e fora da advocacia. Comenta a situação das advogadas e convoca os homens a atuarem numa luta por igualdade. “Nosso lugar de fala deve ser assegurado e não queremos ser interrompidas enquanto estivermos nos expressando, seja em uma reunião de trabalho ou em um encontro social”, dispara.
Confira a seguir a entrevista completa com Daniela Borges:
CFOAB – Qual a importância da OAB para a advocacia?
Daniela Borges – A advocacia é atividade essencial à realização da justiça, porque são a advogada e o advogado que garantem a ampla defesa e contraditório no processo, direitos fundamentais cuja efetividade é imprescindível para assegurar um julgamento justo. Não há justiça efetiva sem advocacia fortalecida, com plenas condições de fazer seu trabalho: a defesa plena das partes no processo.
Por isso, a OAB tem como missão, prevista na lei que rege nossa instituição, trabalhar pelo fortalecimento e valorização da advocacia, atuando na defesa das suas prerrogativas, que, em essência, existem para garantir justamente as condições para que o advogado possa exercer de forma plena a ampla defesa e contraditório no processo. Importante, lembrar ainda que a OAB também tem por missão legal atuar na defesa da Constituição Federal, do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos, na medida em que estes são pressupostos para nosso sistema de justiça. A OAB, assim, ao longo dos seus mais de 90 anos vem construindo uma história sólida de luta pela valorização e fortalecimento da advocacia e, ao mesmo tempo, servido com voz da cidadania na defesa da Constituição, da Democracia e dos direitos humanos.
Aqui na Bahia, por exemplo, a OAB atuou em diferentes causas de interesse público, sobretudo nos últimos anos. A nossa instituição foi palco de diversas audiências públicas onde debatemos e apresentamos soluções para questões sociais, ambientais, de acesso à saúde e tantas outras. Isso fortaleceu ainda mais a credibilidade da Ordem no estado de modo tal que sempre que surge um assunto que atinge a sociedade de alguma forma a OAB é convocada a se manifestar.
CFOAB – Qual a importância da OAB na sua vida?
Daniela Borges – Eu sempre acreditei na importância de trabalharmos pelo coletivo, doarmos um pouco da gente, de forma voluntária, para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária. As pessoas podem fazer isso de muitas formas. O meu trabalho na OAB é a minha forma de contribuir, de forma voluntária, para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária, atuando pelo fortalecimento e valorização dessa profissão essencial à realização da justiça e defendendo a efetividade da nossa Constituição, dos direitos fundamentais e da nossa Democracia.
CFOAB – Como superar o problema tão arraigado do assédio contra as mulheres?
Daniela Borges – Essa é uma pauta urgente e que precisa ser tratada por toda a sociedade. Já passou da hora de nós mulheres sermos respeitadas na nossa condição de mulher. É inadmissível que no século XXI ainda estejamos enfrentando tantas situações de violação. Nesse cenário, os entes públicos, as escolas, as instituições de classe, a sociedade civil como um todo precisa unir forças no sentido de construir um tempo novo.
Segundo levantamento da Rede de Observatórios da Segurança publicado neste mês de março, a Bahia teve um caso de violência contra a mulher a cada dois dias em 2021. Ou seja, no ano passado tivemos mais de 200 registros. Desse total, foram 66 feminicídios. Isso só demonstra a urgência de tratarmos desse assunto. Porque o feminicídio é a etapa final de um movimento que nasce, muitas vezes, de situações de assédio encaradas com normalidade, mas que na verdade revelam o sentimento de misoginia e machismo que ainda imperam em nossa sociedade. Por isso, criamos o Observatório da Violência Contra a Mulher, que tem o objetivo de monitorar e pensar ações que venham contribuir com o enfrentamento desses crimes.
CFOAB – O ambiente jurídico tem feito progressos no sentido de combater o assédio moral e sexual praticado contra advogadas e outras profissionais que atuam nesse universo ou reflete os mesmos problemas que a sociedade em geral?
Daniela Borges – Vivemos num país onde 35% das advogadas já se sentiram discriminadas pelo seu gênero e 1/3 já sofreu assédio sexual em fóruns, tribunais e escritórios. Esses números são alarmantes e, de alguma forma, refletem a realidade brasileira. No entanto, hoje nós advogadas já somos ouvidas e iniciativas das instituições que compõem o sistema de justiça estão começando a transformar essa realidade. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas os primeiros passos já foram dados.
Nós da OAB da Bahia, na atual gestão, aprovamos o envio de requerimento aos Tribunais para o cumprimento integral das Prerrogativas da Mulher Advogada previstas no artigo 7°- A do Estatuto da Advocacia e da OAB, e do artigo 313, inciso IX, do CPC. Porque sabemos que as advogadas são as principais vítimas das violações de prerrogativas e que isso está diretamente ligado ao gênero e, consequentemente, ao assédio moral e sexual.
CFOAB – Apesar das vitórias conquistadas pela OAB, muitos casos têm sido noticiados sobre ocorrências nesses ambientes, o que acontece. Há um problema específico ou trata-se apenas de uma derivação do que acontece na sociedade?
Daniela Borges – A gente precisa entender que a advocacia está inserida na nossa sociedade e por isso termina funcionando, muitas vezes, como um reflexo dessa sociedade. Então a gente presencia, por exemplo, mulheres advogadas que são vítimas de assédio por autoridades ou mesmo outros colegas homens que se acham no direito de serem ofensivos.
Para se ter uma ideia, um levantamento da Comissão da Mulher Advogada da OAB-BA aponta que 23,68% das advogadas baianas já sofreram assédio sexual no trabalho, 43,23% já presenciaram outra mulher sofrendo prática de assédio ou importunação sexual e 39,21% delas já passaram por situação de assédio moral no mesmo contexto. Esses dados são alarmantes e mostram o quanto o universo jurídico reflete a sociedade.
CFOAB – A senhora presidiu a comissão nacional da mulher advogada, como essa experiência contribuiu na sua militância e influencia agora sua gestão à frente da OAB-BA?
Daniela Borges – A minha experiência enquanto presidenta da Comissão Nacional da Mulher Advogada acrescentou muito à minha formação, permitiu que eu tivesse uma visão mais ampla dos problemas enfrentados pelas advogadas e que fizesse contato com outras advogadas incríveis que há muito tempo estão nessa luta. E naquela gestão conquistamos vitórias históricas, como a paridade de gênero nas eleições da Ordem e a publicação da súmula que proíbe bacharéis que tenham cometido violência contra a mulher de ingressarem nos quadros da OAB. Mas a minha chegada à CNMA foi resultado de um trabalho do qual eu faço parte desde que ingressei na OAB da Bahia, lá em 2013. Hoje, na condição de presidenta seccional e ao lado de Christianne Gurgel, Esmeralda Oliveira e tantas outras mulheres que integram a nossa gestão, a gente tem trabalhado para construir uma Ordem cada vez mais inclusiva e uma advocacia onde as mulheres verdadeiramente possam competir em condições de igualdade com os homens.
CFOAB – Como os homens podem contribuir para o combate à discriminação e ao assédio? Essa é uma luta deles também?
Daniela Borges – Com certeza essa é uma luta de mulheres e homens. Eles ajudam nesse combate respeitando os espaços das mulheres e trabalhando para mudar um padrão de comportamento machista que, infelizmente, ainda é muito presente em nossa sociedade. Determinados comportamentos inaceitáveis devem ser reprimidos, determinadas piadas devem ser evitadas, nosso lugar de fala deve ser assegurado e não queremos ser interrompidas enquanto estivermos nos expressando, seja em uma reunião de trabalho ou em um encontro social.
Na Bahia, temos o privilégio de termos nos nossos quadros homens como Luiz Viana, Fabrício Castro e tantos outros homens que pavimentaram esse caminho para que nós mulheres pudéssemos chegar nesse lugar que hoje estamos. A Bahia teve paridade de gênero quando Fabrício foi o presidente da Seccional antes mesmo da paridade ser uma determinação do Conselho Federal. Essa representatividade tem sido muito importante para fortalecer a nossa luta contra a discriminação e o assédio.
CFOAB – O sistema OAB nunca teve tantas mulheres presidindo seccionais simultaneamente como acontece agora. A senhora acredita que isso ajudará a aumentar ainda mais os espaços para as dirigentes de Ordem na medida que o trabalho das presidentes seja bem sucedido?
Daniela Borges – Esse é um movimento que não tem volta. A paridade de gênero está instituída e não me resta dúvida que essas mulheres que hoje assumem as presidências das seccionais e subseções farão um trabalho excelente. E o nosso lema é chegarmos juntas e em um número cada vez maior. Então não há dúvidas também que nas próximas eleições teremos ainda mais candidatas pleiteando os cargos de direção da OAB.
CFOAB – Temos eleições gerais neste ano. A senhora acredita que as mulheres terão seus espaços garantidos na política? Como assegurar uma representatividade adequada?
Daniela Borges – Esse é o desejo de todas nós. Os partidos precisam incentivar a candidatura de mulheres para que as nossas casas legislativas sejam mais paritárias. Mas para isso é fundamental que as legendas trabalhem nesse sentido e que o aporte financeiro para o financiamento das campanhas femininas seja representativo.
CFOAB – A Bahia é um estado grande, com grandes disparidades sociais e econômicas. A Advocacia vive realidades bem diferentes, a depender da região do estado, algo que também é real em Salvador, porém, sem as enormes distâncias. Como a Ordem pode trabalhar para melhorar a situação de quem está fora dos grandes centros?
Daniela Borges – Estamos com atenção especial para a advocacia do interior do estado. Os problemas que esses colegas enfrentam são ainda maiores não apenas por conta das distâncias ou disparidades sociais, mas também porque há uma tradição do nosso poder público em não assistir a população que reside fora da capital. E o advogado se encontra nesse grupo.
Por isso nossa gestão já vem trabalhando para colocar em prática as propostas de campanha, como a ampliação do projeto Meu Escritório no interior, que consiste na criação de espaços para atendimento de clientes, reuniões, e realização de audiências virtuais gratuitos para a advocacia, dentre outras ações cujo o objetivo é fortalecer a advocacia do interior.
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