Especialistas debatem tragédia de Mariana (MG) na IV Conferência de Direito Ambiental
Vitória (ES) – O rompimento da barreira de rejeitos da Samarco, que ocorreu em novembro de 2015 e acarretou diversos danos ambientais, econômicos e sociais, foi o centro do debate do painel 8 da IV Conferência Internacional de Direitos Humanos da OAB, realizado nesta sexta-feira (8) na capital do Espírito Santo.
A mesa que debateu o tema teve à dos trabalhos o presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-ES, Pedro Luiz de Andrade Domingos; como relator Gabriel Riva, advogado do Fórum Capixaba do Rio Doce; e como secretária Leila Imbroisi, que integra a Comissão da OAB-ES.
O professor José Cláudio Junqueira Ribeiro, da Faculdade Dom Hélder Câmara (MG), abriu as palestras do painel 8. Ele iniciou explicando o que é uma barragem de rejeitos, usada para conter, acumular ou decantar restos da mineração e descargas de sedimentos. “A barragem de rejeito tem um grande impacto no ambiente por declarar, mesmo que não explicitamente, que um determinado curso d’água foi profundamente alterado”.
Ele falou sobre modos de beneficiamento do minério de ferro por via seca ou úmida, caso da barragem da Samarco. “Entre as vantagens de se ter uma barragem estão o menor custo, a construção mais rápida e o melhor aproveitamento da área. Entre as desvantagens estão a elevação da superfície freática, a dificuldade de drenagem e – conforme nos mostra o caso concreto – o maior risco de ruptura”, analisou.
“Hoje se coloca o licenciamento ambiental como o único instrumento de preservação e gestão ambiental. Mas para mim, pessoalmente, ele é um instrumento de gestão do desenvolvimento econômico de determinada região. O operador fica sem escolha diante da concessão de um empreendimento quando estão satisfeitos todos os aspectos da norma legal”, completou.
José Cláudio mostrou consequências do rompimento da barragem, com poucas ações efetivas por parte do poder público – e multas que, segundo ele, são irrisórias e ainda assim mal aplicadas, muitas vezes em áreas sem nenhuma relação com o ocorrido. “A questão normativa no Brasil vem a reboque do desastre. Tem-se hoje o PL 3676/2016, chamado Mar de Lama Nunca Mais, que dispõe sobre licenciamento trifásico e realização de audiência pública para liberação”, destacou.
Impactos em outros empreendimentos
O advogado Ricardo Carneiro abordou outros aspectos da tragédia ambiental de Mariana: a intensidade e os desdobramentos do acidente em outros empreendimentos, principalmente a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, mais conhecida como Candonga. Após o vazamento dos resíduos, a usina foi utilizada como dique para reter o avanço do material. Segundo o advogado, a usina cumpriu esse papel, mas teve o reservatório totalmente assoreado por sedimentos, acabando com sua função de gerar energia.
O prejuízo à empresa responsável pela usina é grande, pois, por não conseguir gerar energia, precisa pagar pesadas indenizações à União. A previsão mais otimista é que ela só volte a funcionar em 2022. Entre os reflexos sobre o licenciamento ambiental da Usina, Carneiro destacou a perda de objeto, pelo comprometimento das estruturas de geração. Ele também questionou se é possível rediscutir a viabilidade ambiental da usina depois do acidente e se deverá ser formalizado outro processo de licenciamento ambiental.
Também ficaram inviabilizados outras condicionantes, como o programa de segurança e alerta no entorno da usina, a execução do Pacuera (Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial) e do programa de vegetação da APPs, o monitoramento das taxas de assoreamento do reservatório, assim como os programas de monitoramento da estabilidade encostas e o parâmetro de qualidade de água e transposição de peixes. “Precisamos alertar e lembrar de efeito externo muito negativo do acidente: o comprometimento de outra atividade econômica regular, lícita e de interesse da união”, afirmou.
Ações e acordos
Thiago Albani Oliveira Galvêas, Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública de Linhares, chamou a atenção para o impacto judicial na esteira do rompimento da barragem de Fundão, próximo ao município de Mariana. “Só no estado do Espírito Santo, nas cidades de Linhares, Colatina e Baixo Guandu, foram mais de 30 mil ações. Os maiores prejudicados por essas ações, desconsiderando os ribeirinhos que foram atingidos, ninguém tem nenhuma dúvida e eles têm de ser atendidos, são os advogados em início de carreira que ali trabalham, é a população carente que depende do juizado especial para ter acesso aos seus direitos. Se antes ele precisaria de um ano para conseguir uma sentença favorável no juizado, hoje precisará de três ou quatro. Não há e não existia previsão estrutural para suportar esse dano processual”, disse ele.
Galvêas delimitou a avalanche de ações judiciais em quatro ondas de ações. A primeira delas abrange a população imediata e diretamente atingida, como pescadores e população que dependia de atividades econômicas locais, como o turismo. A segunda onda, envolve os que foram atingidos indiretamente, como por exemplo os comerciantes em geral que deixaram de ter seus negócios e até um mercado para vender seus produtos. O juiz destacou que a terceira onda deverá envolver as ações anulatórias.
“Vemos um grande número acordos extrajudiciais celebrados sem a presença de um advogado. Quando temos acordo realizado sem a presença de um advogado, há um risco de que no futuro venha uma terceira onda de ações anulatórias para discutir esses acordos que foram assinados sem a presença de um representante da OAB ou de um defensor público. O trabalho do advogado é essencial na defesa dos direitos, principalmente para manter a paridade de armas”, disse Galvêas.
A quarta onda e mais preocupante na visão de Galvêas envolverá os danos que não são conhecidos ainda, associados a danos que sequer puderam ser identificados e ligados ao desastre. Ele destacou o papel da OAB, Ministério Público e Defensoria Pública para mitigar os efeitos desta quarta onda. “Nessas demandas ambientais, o juiz, o promotor, o advogado, o defensor, o procurador público, eles não podem trabalhar dentro de uma normalidade. Eles não podem ter uma atuação ordinária. Para resolver o problema, eles têm de ser extraordinários”, afirmou ele.
Conhecimento dos direitos
O procurador da República em Minas Gerais, Helder Magno da Silva, que integra a Força-Tarefa Rio Doce, foi o quarto expositor do painel. “Não foi acidente. Não foi apenas um evento. O MPF afirma que foi um crime porque temos hoje ações penais em curso contra diversas pessoas físicas e jurídicas. Nesse contexto, uma série de debates entre empresas e órgãos ambientais culminou com o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), cujo principal fruto foi a criação da Fundação Renova. O MPF entendeu que o acordo advindo do TTAC não era suficiente e impetrou ação civil pública”, resumiu.
Helder lembrou decisões importantes do STJ acerca do tema, como a que designou o juízo da 12ª Vara de Belo Horizonte como foro para dirimir conflitos. “Para mim, isso só interessa aos causadores do dano, pois foi estabelecido um juízo distante em relação ao local de origem da causa. Se fosse para escolher uma capital, então que fosse Vitória, onde se vive os dramas do ocorrido diariamente”, opinou.
Para o procurador, pessoas cientes de seus direitos estão mais aptas para buscar a justiça da maneira mais adequada. “É difícil organizar os atingidos ao longo de toda a bacia. A atuação coordenada tem conseguido colher bons frutos, principalmente desde o início de 2017, quando passamos a viver momento de congregação entre os ministérios públicos Federal, de Minas Gerais, do Espírito Santo e do Trabalho, bem como as defensorias públicas da União e dos dois Estados atuando de forma conjunta”, apontou.
Helder criticou fortemente o acordo firmado e afirmou que enxerga a Fundação Renova como um braço terceirizado das empresas envolvidas nos danos advindos do rompimento da barreira em novembro de 2015.
Problemas complexos
Flávia Marchezini, professora de direito ambiental e compliance, além de procuradora do município de Vitória, abordou a dimensão do desastre de Mariana. Segundo ela, a tragédia apresentou diversos crimes ambientais, infrações administrativas e inúmeras reparações civis, em uma escala catastrófica. Marchezini também falou sobre mensurações de risco, que é a relação entre probabilidade e consequências, alertando que as mineradoras precisam internalizar custos socioambientais em seus processos produtivos e refletir sobre eles.
Ao abordar a atuação da Fundação Renova, criada após assinatura de TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta) entre a mineradora Samarco e órgãos governamentais para ações relacionadas à tragédia, a pesquisadora questionou se as próprias empresas fazem mudanças internas como novos mecanismos internos de gestão de risco, o investimento em pesquisas e melhores tecnologias.
A procuradora também trouxe questões como as dúvidas sobre a tragédia e o conflito de interesses dentro dele, cobrando uma postura ética dos envolvidos. “Precisamos falar de dimensão política da tragédia, mas também da ética: uma das causas do desastre foi a corrupção, a relação promiscua entre público e privado”, afirmou. “Falta uma visão sistêmica e holística dos aplicadores do direito. Precisamos ampliar visão, olhar por cima, perceber que apenas pela conjugação de ideias e esforços encontraremos soluções para problemas complexos.”
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