Lei 8.906/1994 mudou para atender novas necessidades da advocacia brasileira
Na segunda parte da série “A Construção do Estatuto da Advocacia”, vamos conhecer as etapas que levaram à elaboração de um novo conjunto de regras para atender às crescentes necessidades que a realidade impunha à advocacia brasileira. Era necessário um texto capaz de refletir as exigências mais recentes da profissão.
Este marco legislativo definiu a advocacia como função essencial à justiça, não apenas definindo prerrogativas e direitos, mas também desencadeou um processo de evolução constante ao longo dos anos. Questões como encargos, proteção diante do empregador, sociedade de advogados e grau de independência técnico-profissional, que não eram contemplados na lei anterior, por exemplo, passaram a ter especial importância.
O projeto ganhou corpo no final da década de 1980, impulsionado pelo anteprojeto Newton de Sisti, elaborado pela Comissão instituída pelo então presidente da Ordem Nacional, Márcio Thomaz Bastos. O texto, entretanto, optava por atualizar a Lei n.º 4.215/63, o que foi considerado por diversos profissionais como insatisfatório.
Afinal, com a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, a advocacia havia ganhado, pela primeira vez, status constitucional. A classe passou a figurar no capítulo das funções essenciais à Justiça, no trecho sobre a organização dos Poderes, tendo com isso o legislador constituinte reconhecido a importância da instituição.
Depois dessa conquista, a entidade se empenhou na produção de uma lei que delimitasse e cumprisse o mandamento do artigo 133 da CF: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
No início do mandato de Marcelo Lavenère, que decidiu dar um tratamento prioritário ao Estatuto, foi eleita uma Comissão que, juntamente com a diretoria e o Conselho Federal, mobilizou os advogados de todo o país em torno de propostas e sugestões ao anteprojeto. Foram apresentadas cerca de 700 emendas, todas analisadas pela Comissão e, em 12 de abril de 1992, o Conselho Federal aprovou o texto do anteprojeto que seria enviado ao Congresso Nacional. Em 22 de junho de 1992, Ulysses Guimarães apresentou o Projeto de Lei 2.938/92, que definia o Estatuto da Advocacia e a OAB.
Dezenas de deputados federais, tendo à frente o próprio Ulysses Guimarães, subscreveram o PL. Tramitando por quase dois anos na Comissão de Constituição e Justiça, cujo relator foi o deputado Nelson Jobim, o projeto foi aprovado, com a adição de algumas emendas, no fim de maio de 1994. Segundo o relator do anteprojeto, Paulo Luiz Netto Lôbo, foi intensa a luta da OAB para viabilizar o PL, e as alterações havidas no texto foram discutidas febrilmente entre o relator, o presidente da entidade, José Roberto Batochio, e ele próprio.
O Senado aprovaria o projeto da Câmara em junho de 1994, sem emendas.
A sanção pelo presidente da República Itamar Franco ocorreu em 4 de julho de 1994, em sessão especial. Surgia o novo Estatuto da Advocacia e da OAB, com 87 artigos, a Lei n.º 8.906/94, que configurava, segundo Batochio, a concretização do ideário de lutas pela cidadania e a reafirmação da destinação democrática dos advogados brasileiros.
Questionamentos
Logo que entrou em vigor, entretanto, a lei passou a ser questionada. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por exemplo, tentou que a Presidência da República vetasse alguns dispositivos e, sancionada a lei, levou os temas ao STF. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também apresentou ações.
As ADIs foram apresentadas em 2 de agosto e 6 de setembro de 1994, e pediram a suspensão liminar, até decisão final, da eficácia de alguns dispositivos do Estatuto, o que foi acolhido pelo plenário do STF em 3 de agosto e 6 de outubro de 1994. O julgamento de mérito das ações se deu em 17 de maio de 2006, quase 12 anos depois. O Supremo julgou procedente parte dos pedidos, declarando a inconstitucionalidade do art. 7º, IX, definindo que o advogado é indispensável à administração da Justiça, mas a presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. Após a decisão definitiva do plenário do STF, o texto sofreu redução significativa na eficácia normativa.
A Lei 8.906/94 ainda sofreria mais duas ações diretas de inconstitucionalidades. A terceira, ADI 1.194, é da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de janeiro de 1995. Nela, o STF declarou inconstitucional o parágrafo 3.º, do artigo 24, do EAOAB. Já na quarta, ADI 3.026, movida pela PGR em 28 de outubro de 2003, o STF reconheceu como constitucional o regime trabalhista para a OAB contratar servidores, sendo incabível, portanto, a exigência de concurso público para admissão dos contratados.
Alterações legais
Além das reduções de textos e revogações de dispositivos por meio das revisões constitucionais do Supremo, houve substanciais alterações legais promovidas no Estatuto por outras leis ordinárias. Entre 2005 e 2019, foram 11.
Elas trataram das eleições para a Diretoria do Conselho Federal da OAB; das buscas e apreensões em escritórios de advocacia; da fixação em cincos anos da prescrição da ação de prestação de contas pelas quantias recebidas pelo advogado de cliente; da criação da sociedade unipessoal de advocacia; das prerrogativas da advogada, em que constam, por exemplo, as prerrogativas da advogada gestante e adotante; do “Diário Eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil”; dos honorários advocatícios, para criar e regular a modalidade “honorários assistenciais”; da garantia aos advogados do exame e obtenção de cópias de atos e documentos de processo e procedimentos eletrônicos, com repercussão também no Código de Processo Civil e na lei que regulamenta a informatização do processo judicial.
Estatuto hoje
Por fim, no ano passado, a Ordem dos Advogados do Brasil conquistou uma das vitórias mais relevantes para a profissão no Legislativo dos últimos anos: a alteração do Estatuto da Advocacia. A Lei 14.365/2022 foi publicada em 3 de junho e promoveu importantes mudanças, tanto no no Estatuto (Lei 8.906/1994) quanto em outros textos legais, garantindo a ampliação da defesa oral, o aumento da punição ao desrespeito às prerrogativas dos profissionais, o estabelecimento dos honorários de acordo com o Código de Processo Civil (CPC).
Resultado da articulação conjunta da diretoria nacional da OAB com presidentes de seccionais, a nova legislação reforça a importância e a própria figura dos honorários advocatícios e estabelece novos critérios de fiscalização do exercício profissional dos advogados. Conheça aqui os 10 principais conquistas da advocacia com a nova lei.
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