Na abertura do Ano Judiciário, Lamachia destaca importância da OAB e da advocacia à democracia
Brasília – O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, representou a entidade na sessão de Abertura do Ano Judiciário, realizada na manhã desta sexta-feira (1º) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ocasião marcou o último evento de Lamachia como presidente da Ordem, visto que será sucedido por Felipe Santa Cruz, eleito ontem.
Na ocasião, Lamachia destacou que o Ano Judiciário de 2019 se abre com um misto de esperança e de ceticismo. “Esperança de que as lições da crise recente, uma das maiores que a República já presenciou, tenham sido assimiladas. E ceticismo pelo fato de que nossa tradição política, infelizmente, não costuma chancelar essa expectativa. Temos sido constantes em repetir os mesmos erros, em andar em círculos”, disse.
Ele também ressaltou o caráter fundamental do Judiciário. “Quem não entender esse fenômeno – o da Era da Transparência – será simplesmente por ela tragado. Nada mais fica oculto – e isso é bom. As redes sociais sepultaram definitivamente as torres de marfim. Se não se é honesto, por razões de ordem moral, é necessário sê-lo ao menos por imperativo tecnológico. A importância do papel do Judiciário, neste período, adquiriu tal magnitude que extrapolou sua circunstância institucional. Transfigurou-se em poder moderador da República”, apontou.
Ao falar sobre a importância da OAB e da advocacia, Lamachia lembrou que “a advocacia viu-se de maneira recorrente engolfada pela incompreensão de seu papel na produção de Justiça”. A OAB, lembrou ele, “viu-se instada, sucessivas vezes, a vir a público defender as prerrogativas dos advogados, esclarecendo-se que essas prerrogativas são, na verdade, da sociedade, já que à sua defesa se destinam”.
Ele também defendeu o respeito irrestrito ao devido processo legal e à liturgia judicial, além de reiterar que “o país já não suporta testemunhar tragédias como a de Brumadinho, que reproduz, em circunstâncias quase idênticas e intoleráveis, a de Mariana, ambas marcadas por corrupção, negligência administrativa e desprezo pela vida humana”.
Outros pronunciamentos
Pelo STF, falou o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. “Sem justiça e sem Judiciário não há paz social possível. No estado de direito é a justiça que nos salva do arbítrio. Somos os defensores dos direitos e garantias fundamentais, das liberdades públicas, da liberdade de imprensa, da dignidade da pessoa humana. É a sujeição incondicional dos juízes à Constituição e às leis que legitima o Poder Judiciário a ocupar a posição estratégica de mediador entre pessoas, órgãos e entes federativos. Não há espaço para paixões ou vontades, pois trata-se de um sacerdócio que impõe sacrifícios e muitas responsabilidades, alem de celeridade e prudência”, disse.
Toffoli propôs “a celebração de um novo grande pacto entre os três poderes, fortalecendo o combate à corrupção, ao crime organizado e a verdadeira epidemia de violência que assola o Brasil”.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apontou em seu pronunciamento que o Ministério Público buscará, em todas as casas de Justiça do país, evitar violações, garantir direitos e coibir abusos. “Temos certeza de que 2019 será um brilhante ano para o Judiciário brasileiro, pugnando pelo respeito às leis e à constituição”, afirmou.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, fechou os pronunciamentos da sessão solene. “Vivemos no Brasil o pleno estado democrático de direito, cuja garantia maior é a separação harmônica entre os poderes. Os desafios só serão resolvidos mediante um verdadeiro pacto nacional entre a sociedade e os poderes constituídos na busca de novos caminhos para a nação, como propôs o ministro Toffoli. O Poder Executivo comunga deste sentimento e enxerga que estes desafios só serão levados a bom termo pelo esforço e pela união de cada um dos brasileiros”, frisou Mourão.
Ele apontou, ainda, que “sem profundas mudanças no modelo de desenvolvimento econômico e sem educação de qualidade, ocorrerá que a sociedade – em particular a parcela mais necessitada – continuará empurrada para a informalidade e mais distante dos serviços essenciais que são responsabilidade do Estado”.
Também participaram da solenidade de abertura do Ano Judiciário o ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro; os comandantes da Marinha, Ilques Barbosa Júnior; do Exército, Edson Leal Pujol; da Força Aérea Brasileira, Antonio Carlos Moretti Bermudez; o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; entre outras autoridades.
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Acompanhe abaixo a íntegra do discurso de Claudio Lamachia na solenidade:
Senhoras e senhores,
O ano Judiciário de 2019 abre-se para um Brasil recém-saído das urnas – e, portanto, em tese, renovado politicamente. Há, nessas ocasiões, um misto de esperança e de ceticismo. Esperança de que as lições da crise recente, uma das maiores que a República já presenciou, tenham sido assimiladas. E ceticismo pelo fato de que nossa tradição política, infelizmente, não costuma chancelar essa expectativa. Temos sido constantes em repetir os mesmos erros, em andar em círculos.
Fala-se hoje, mais uma vez, em velha e nova política, terminologia recorrente em nossa história republicana. Mas a política é uma só – e, nas palavras de Ruy Barbosa, “deve ter a moral por norte, bússola e rota”. Sem tais premissas, as ideologias não passam de fachadas e convergem para as mesmas práticas que as desacreditam. Entra governo, sai governo e reincide-se nas mesmas condutas.
A República brasileira viu seu primeiro ciclo findar em 1930, por meio de uma revolução, que classificou o período anterior de “República Velha”. Veio então a “República Nova”, que reincidiria nas mesmas práticas. Envelheceu – e envileceu – rapidamente, desaguando na ditadura do Estado Novo.
O ciclo da Constituição de 1946 teve por desfecho o regime militar de 1964, que duraria mais de duas décadas. Em 1985, com a retomada do poder pelos civis, ressurge o velho rótulo de “novo”.
Inaugura-se a Nova República, que teve como ponto de partida a promulgação da Constituição de 1988, que recém-comemorou 30 anos. Ela tem mostrado sua eficácia na medida em que tem dado respostas às sucessivas turbulências decorrentes da degradação da política, exposta no curso da Operação Lava Jato.
Resistiu ao terremoto institucional, que atingiu os três Poderes e abalou os alicerces da República. Mas – e este é um fato a ser celebrado – a democracia resistiu. E há de resistir.
O povo foi às urnas e fez suas escolhas, que precisam ser respeitadas, sem prejuízo do dever da crítica e da vigilância, inerentes ao processo democrático.
O que se espera – e o poeta Antônio Maria cunhou a expressão “Brasileiro, profissão esperança” – é que os eleitos honrem os compromissos que os tornaram vitoriosos.
O país já não suporta testemunhar tragédias como a de Brumadinho, que reproduz, em circunstâncias quase idênticas e intoleráveis, a de Mariana, quatro anos antes.
Corrupção, negligência administrativa, desprezo pela vida humana. Quantas mortes serão ainda necessárias para que isso mude? Até quando? – pergunta o povo, na sua sede de justiça. A resposta terá de ser dada pela transparência do agente público.
Quem não entender esse fenômeno – o da Era da Transparência – será simplesmente por ela tragado. Nada mais fica oculto – e isso é bom. As redes sociais sepultaram definitivamente as torres de marfim. Se não se é honesto, por razões de ordem moral, é necessário sê-lo ao menos por imperativo tecnológico.
A importância do papel do Judiciário, neste período, adquiriu tal magnitude que extrapolou sua circunstância institucional. Transfigurou-se em poder moderador da República.
O desgaste do poder político conferiu-lhe esse protagonismo, inédito e não postulado, mas ao qual não pôde recusar.
Nessas circunstâncias, expôs-se, de maneira inevitável, ao debate público e as consequências daí advindas: incompreensão por parte dos agentes políticos, da mídia e da própria sociedade.
Jamais esse Supremo Tribunal Federal foi tão demandado, transformando-se em alguns momentos em tribunal penal, que não é sua vocação, nem destinação.
A advocacia, por sua vez, viu-se de maneira recorrente, engolfada pela incompreensão de seu papel na produção de justiça. A OAB viu-se instada, sucessivas vezes, a vir a público defender as prerrogativas dos advogados, esclarecendo-se que essas prerrogativas são, na verdade, da sociedade, já que à sua defesa se destinam.
A contrapartida a uma advocacia sem prerrogativas é o Estado Policial, que repele a democracia e suprime direitos elementares.
O clamor popular por justiça – clamor justo e que não pode ser recusado – foi também frequente objeto de manipulação, quer política, quer midiática, quer institucional.
Os ritos judiciais chegam a ser vistos como subterfúgios em prol da impunidade, quando apenas expressam o devido processo legal, com a garantia da ampla defesa e do contraditório.
Não existe justiça sumária e, com o motivo de repetir à exaustão, sempre que a OAB era criticada por defender o devido processo legal, não se combate o crime cometendo outro crime – e a tanto equivale atropelar a liturgia judicial.
Parece óbvio, e é, mas, na prática – sobretudo em momentos de grande tensão política – não é tão fácil separar o joio do trigo.
Também aí, o fundamento moral a que aludia Ruy Barbosa, é indissociável da essência do que se busca. Os fins não justificam os meios – estes, sim, é que determinam os fins.
Creio no fim pedagógico da crise, que ampliou um conhecimento e a compreensão da sociedade brasileira a respeito do papel do Estado e das suas instituições e a respeito do papel e dos ritos da justiça. Se há o que aperfeiçoar – e certamente há -, os meios estão indicados na própria Constituição, uma obra em aberto, a se ajustar às transformações porque passa a sociedade brasileira.
Creio, pois, que o Ano Judiciário de 2019 será rico em mudanças, debates e reformas. O Brasil está em movimento, em busca de superar suas mazelas e cumprir destino mais elevado, à altura de suas potencialidades físicas e humanas.
O papel desta Corte Suprema não será menos do que tem sido, cabendo-lhe, para além de observar a independência dos poderes, empenhar-se na harmonia que deve viger entre eles.
A OAB continuará vigilante e cooperativa, ciente de seu papel de tribuna e voz da sociedade e de seu dever constitucional, nos termos do art. 133, que declara o advogado “indispensável à administração da justiça”.
Nosso Estatuto, que é Lei Federal, nos compromete entre outras questões com a defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social.
Fiquem certos de que não negligenciaremos com esses deveres e permaneceremos fieis à nossa quase nonagésima história, inteiramente devotada ao País e à sua República.
Despeço-me hoje da Presidência Nacional da OAB, agradecendo a forma fidalga como sempre fui recebido neste STF por todos os senhores e as senhoras Ministras desta Corte.
Transmitirei o cargo, ainda hoje, a meu sucessor, o advogado Felipe Santa Cruz, na certeza de que levará adiante o que para nós é um lema: a OAB tem um só partido: o Brasil. E uma única ideologia: a Constituição.
Que Deus nos ilumine neste novo ano e que se abra para o melhor de nossas expectativas. Que assim seja.
Muito obrigado!
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