Nota sobre o fim do DPVAT
A Comissão Especial de Direito Securitário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB recebeu com surpresa e consternação a notícia da edição, pelo Poder Executivo Federal, da Medida Provisória n. 904, de 11 de novembro de 2019, que extingue o seguro obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT, o qual possui garantia para indenização por morte, invalidez total ou parcial e reembolso de despesas médicas.
Como sabido, os acidentes de trânsito constituem uma das principais causas mundiais de mortes e danos pessoais, e, por isso mesmo, objeto de intensa regulação estatal, com o objetivo de prevenção e reparação dos danos sofridos pelas vítimas.
O DPVAT é o maior seguro social privado do país, formado exclusivamente pela contribuição dos proprietários de veículos automotores, sem qualquer fonte de receita pública, e garante a reparação dos danos sofridos por qualquer vítima do trânsito, sem distinção, e independentemente do exame de culpa do causador do acidente.
O seguro DPVAT, acompanhando modelo adotado por países de todos os continentes, atua tanto no aspecto preventivo, quanto no reparatório. A Lei 8.121/91 prevê, em seu artigo 27, § único, que 5% (cinco por cento) da receita dos prêmios será destinada para o Coordenador do Sistema Nacional de Trânsito, com aplicação em medidas de educação para a prevenção dos acidentes e, com isso, há diminuição de danos sofridos pela população. Além disso, 45% (quarenta e cinco por cento) da receita dos prêmios é destinada ao SUS, com o objetivo de contribuir para o já insuficiente orçamento da saúde pública. Nos últimos 11 anos, o DPVAT aportou mais de R$ 37 bilhões aos cofres públicos . O saldo dos prêmios é reservado para o pagamento de despesas administrativas e indenização às vítimas ou suas famílias, que poderão usar os valores para amenizar as graves consequências da morte ou da invalidez, atenuando os efeitos do desequilíbrio econômico e psíquico que o acidente causa.
Nos últimos 10 anos foram indenizadas mais de 4.000.000 (quatro milhões) de pessoas, das quais, mais de 3.000.000 (três milhões) eram motociclistas. Perfazem a média de 400.000 (quatrocentas mil) indenizações anuais.
Tudo isto com o pagamento anual que não chega a R$ 17,00 (dezessete reais) para o proprietário de um veículo de passeio, por exemplo.
A decisão do Executivo Federal, vinda sem qualquer debate público prévio e sem identificar solução alternativa, deixará desamparadas todas as futuras vítimas do trânsito, assim como retirará relevante orçamento voltado à prevenção dos acidentes, o que naturalmente causará um incremento no volume de novos casos.
O Executivo atuou na contramão dos anseios mundiais, de prevenção dos acidentes e socialização dos riscos, relegando a população à sua própria sorte, sem efetivo amparo para a prevenção e a reparação dos danos, além de diminuir o orçamento público disponível para o tratamento médico-hospitalar dos acidentados.
Os fundamentos utilizados pelo Executivo para edição do ato normativo não subsistem a uma análise criteriosa.
Primeiro, não há que se falar em despesa pública, o fundo comum do seguro DPVAT é formado integralmente por receitas privadas dos proprietários de veículos automotores, sem qualquer contribuição do Tesouro Nacional. Assim, naturalmente, a extinção do seguro, em nada desonera os cofres públicos.
Segundo, as fraudes nos pedidos de indenização securitária são fruto especialmente do gigantismo de suas operações, assim como ocorre, por exemplo, com pedidos de benefícios do INSS, fraudes contra o setor bancário, comércio ou o próprio SUS.
As fraudes devem ser prevenidas, reparadas e o fraudador, punido, mas não podem ser motivo para extinguir qualquer espécie contratual, especialmente as de relevante suporte social. Não se trata eventual doença matando o paciente.
A Seguradora Líder dos Consórcios DPVAT anunciou em seu relatório anual que apenas no ano de 2018 foram identificados administrativamente 11.898 (onze mil, oitocentas e noventa e oito) tentativas de fraude ao seguro DPVAT, evitando o pagamento indevido de indenizações. A seguradora relata, ainda, que sua colaboração na repressão de fraudes produziu, apenas em 2018, 62 condenados e 23 prisões de fraudadores no Brasil e no exterior.
A intensificação do combate à fraude no seguro DPVAT, segundo nota o Ministério da Economia, possibilitou inclusive a redução no valor do prêmio no percentual médio de 63% (sessenta e três por cento) em 2019 .
Por fim, também não se sustenta a motivação do Executivo Federal no sentido de que o SUS e o INSS dão amparo às vítimas. A indenização do DPVAT tem natureza complementarmente diversa, o SUS atua nos cuidados médicos hospitalares do acidentado, enquanto a indenização ameniza os efeitos financeiros permanentes dos acidentes. O SUS não poderá apoiar em nada a família da vítima falecida, por exemplo.
Da mesma forma, o DPVAT apoia todos os vitimados indistinta e igualitariamente, e independe de sua condição de segurado do INSS ou de sua renda.
Os acidentados do trânsito precisam de amparo em todas essas dimensões.
A Comissão Especial de Direito Securitário do Conselho Federal da OAB apoia e fomenta o debate e a eventual revisão do modelo de Seguro DPVAT, que tenha sempre o objetivo de buscar mais eficiência, segurança, ampliação de garantias e atendimento da população, com vistas a prevenir e reparar os acidentes de trânsito.
Considerando que a MP pelo Executivo Federal não atende em nada essas finalidades, esperamos que o Congresso Nacional não aprove a medida.
Brasília, 14 de novembro de 2019.
Carlos Harten
Presidente da Comissão Especial de Direito Securitário do CFOAB e Conselheiro Federal
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