OAB celebra o Dia do Consumidor como data de lutas e conquistas

“Todos somos consumidores”. As palavras ditas em 1962 a congressistas pelo presidente dos Estados Unidos à época, John Kennedy, além de colocar em pé de igualdade políticos de notória proeminência da nação mais poderosa do planeta e os demais cidadãos do mundo, marcam a inspiração para a data celebrada neste 15 de março. Mais de meio século depois, a OAB se consolida como parceira de primeira ordem de brasileiras e brasileiros na luta por uma relação justa e equilibrada entre consumidores e fornecedores.

“O Dia Mundial do Consumidor é muito importante. A figura principal do mercado é o consumidor. Sem ele, não existe o mercado. Porém, na relação que se estabelece entre fornecedores e consumidores, a parte mais vulnerável é o consumidor”, afirma a ex-presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor (CEDC), Marié Miranda.

No Brasil, a data entrou para o calendário em 1983. Muito além de ser uma Black Friday no primeiro semestre, a efeméride é comemorativa, mas também uma lembrança do que há por fazer. A militância da OAB tem deixado marcas importantes num dos mais importantes instrumentos de proteção: o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que completou 32 anos no último dia 11 de março – a Lei 8.078 é de 11 de setembro de 1990, porém entrou em vigor cento e oitenta dias depois de ser publicada, em 11 de março de 1991.

Marié aponta a lei como um mecanismo de proteção que busca equilibrar a disparidade de forças entre fornecedores e consumidores. “Infelizmente, no Brasil temos tido muitas barreiras e verificamos vários retrocessos nos mecanismos de defesa do consumidor em que acabam imperando os interesses do mercado. Porém, isso pode causar prejuízos à economia do país”, pondera ela. “Nada melhor do que fortalecer o consumidor para que possamos ter um mercado mais seguro, confiável e respeitoso em relação a quem em última análise é a peça fundamental para a existência de um mercado”, sugere a ex-presidente da CEDC.

Apoio na pandemia

O mundo luta há dois anos para superar os efeitos trágicos da Covid-19. Além de vidas humanas levadas, a pandemia transformou relações. Nesse espaço de tempo, situações sequer imaginadas pela sociedade emergiram como rotina. O tal “novo normal” que permeou os discursos para sintetizar a mudança de hábitos virou clichê, mas trouxe consigo situações que nem sempre eram positivas, especialmente para o consumidor.

Nesse período delicado, a OAB atuou para conquistar ainda outras vitórias para a sociedade e para o consumidor. Claudia Lima Marques, ex-vice-presidente da CEDC, destaca o trabalho feito pela comissão durante os anos de 2020 e 2021. “Conseguimos a atualização do CDC para a prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores”, lembra ela a respeito da aprovação do Projeto de Lei 1.805/21.

O texto criou regras para prevenir o superendividamento dos consumidores brasileiros. A atuação da CEDC foi fundamental para aprovação da nova lei. O colegiado da Ordem se engajou nos debates e promoveu dezenas de eventos e audiências públicas sobre o assunto ao longo dos últimos anos.

A OAB entende que a nova lei se mostrou ainda mais necessária em razão do cenário gerado pela pandemia. A nova medida ainda tem como foco proibir as práticas enganosas e ampliar a conscientização da cultura do pagamento das dívidas, com estímulo à renegociação e à organização de planos de pagamento e de audiências de negociação de dívidas.

Pretensão resistida

Marié falou sobre o que hoje tem sido uma das grandes preocupações da OAB na questão do direito do consumidor. “Uma das coisas que mais nos preocupam hoje é a questão da pretensão resistida. O consumidor precisa ter aberta a possibilidade de levar ao Judiciário e aos órgãos administrativos aquilo que o mercado oferece de forma indevida”, disse Marié.

A ex-presidente da CEDC refere-se à tentativa de institucionalizar por meio de lei uma prática cada vez mais comum entre magistrados que analisam ações que envolvem empresas e consumidores. A pretensão resistida consiste na necessidade de comprovação de que o consumidor autor de uma ação contra uma empresa fornecedora procurou resolver o conflito extrajudicialmente antes de ingressar com a ação em juízo, como condição da própria ação.

Comércio Eletrônico

Claudia chama a atenção para a importância sobre a discussão de outro tema fundamental para o consumidor brasileiro. O Projeto de Lei 3.514/15 promove novas mudanças no CDC para tratar de situações que envolvem o comércio eletrônico. “É necessária a aprovação desse projeto para que o CDC possa fazer frente à rapidez e à multiplicação das relações de consumo digitais. São transações que podem ser nacionais e internacionais. As compras pelo comércio eletrônico não encontram fronteiras, temos o fenômeno das vendas de passagens e reservas de hotéis e espetáculos online, o chamado ‘e-turismo’”, declara a ex-presidente da CEDC.

Claudia chama a atenção para o fato de o CDC datar de 1990 e sequer mencionar a internet em seu texto. Ela aponta ainda a questão do direito de arrependimento, que não mais se coaduna com os produtos e serviços inteligentes ou simbióticos em que as expectativas legítimas do consumidor só serão realizadas quando o produto e o serviço funcionarem juntos e com qualidade.

“Se evoluímos com a Lei 14.181/2021 para prevenir o superendividamento, ainda é necessário regular o pagamento digital, que muitas vezes é feito de forma bastante imediata com ferramentas como o Pix, por celular, por exemplo, e por intermediários, cartões de crédito e PayPal. Temos ainda o problema do crédito à distância e da proteção dos dados dos titulares-consumidores e as decisões automatizadas pouco transparentes, que permitem uma série de novas discriminações por perfis, por raça, por religião e por opções”, salienta Claudia.

Novo normal

O novo contexto imposto pela Covid-19, em especial no que diz respeito às relações de consumo, trouxe situações que merecem atenção. A OAB tem levado muito a sério algumas mudanças e deve se posicionar para ajudar o país a encontrar soluções. Marié cita alguns exemplos de situações criadas com a pandemia que têm gerado preocupação.

Uma delas envolve as relações entre consumidores e companhias aéreas. A Lei 14.034/20 estabelece a retenção dos valores de reembolso do consumidor por até 12 meses quando a empresa cancela o voo. Porém, se o consumidor decide cancelar sua viagem, a previsão do texto é a aplicação de penalidades; ele terá que pagar a multa contratual e esperar o mesmo prazo de 12 meses.

Outro caso trata de eventos e shows. A Lei 14.046/20 determina que fornecedores não são obrigados a reembolsar os valores para os consumidores. Fala apenas sobre a remarcação do evento ou fornecimento de crédito para uso em outra ocasião. Caso não haja remarcação ou forma de crédito, a restituição acontece, porém, com descontos de agenciamento e intermediação do evento.

“Nos dois casos, a proteção constitucional foi desconsiderada. Os direitos e garantias constitucionais precisam ser respeitados, especialmente nos momentos de crises. Quando se inaugura o precedente de relativizar os direitos dos consumidores, fica evidente que o eixo de proteção foi alterado. A igualdade não foi respeitada e outros casos podem surgir”, alerta Marié.

No período pandêmico, houve ainda a alteração do decreto 2.181/97 por meio do decreto 10.887/21. Nele, há uma tentativa de federalização da defesa do consumidor com a centralização do poder sancionador na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Na prática, ele pode esvaziar o poder de multar dos Procons, o que impactaria na efetividade dos órgãos estaduais e municipais de proteção ao consumidor. “Temos identificado uma certa onda de enfraquecimento dos Procons e isso nos preocupa muito”, acrescenta Marié.

A OAB continuará a trabalhar para diminuir a vulnerabilidade do consumidor em relação às empresas, a buscar um cenário de segurança jurídica que proteja não apenas as empresas, mas também os consumidores, e assegurar que não haja mais retrocessos nas relações de consumo.


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