Painel 43 – Limites da ação do estado e coerção penal: desafio de encontrar o equilíbrio

A discussão sobre as fronteiras da ação do estado e coerção penal ganhou espaço, nesta quarta-feira (29/11), durante painel intitulado “Estabilização Democrática e Defesa dos Pilares Constitucionais”.

As palestras abordaram temas como a democracia e a responsabilidade do Estado brasileiro no cumprimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; a responsabilidade ética do advogado como defensor do Estado Democrático de Direito; transparência e acesso à informação na promoção da democracia; e a exegese constitucionalmente adequada dos tipos penais definidores de crimes contra as instituições democráticas e as ameaças à democracia e o papel de sua guardiã: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Os governos constitucionais devem ter limitações, como anteparo em relação ao arbítrio. E são os dispositivos constitucionais que autorizam a delimitação de garantias fundamentais por meio legislativo”, salientou na abertura o presidente da mesa, membro honorário vitalício do CFOAB, Roberto Antonio Busato. O painel teve como relator o conselheiro federal por Sergipe, Cristiano Barreto, e como secretária a conselheira federal por Tocantins, Helia Nara Parente Santos Jacome.

“Os advogados brasileiros sempre tiveram um papel importantíssimo na administração da Justiça, historicamente, não é à toa que só recentemente os advogados portugueses passaram a gozar da mesma prerrogativa constitucional que temos no Brasil, e por nossa influência”, destacou o agraciado com a Medalha Rui Barbosa, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, autor intelectual do atual Código de Ética e Disciplina da OAB. “A defesa da democracia é, também, uma responsabilidade estatutária do advogado, que tem um compromisso perpétuo frente os riscos que a democracia brasileira ainda corre e para os quais fomos alertados depois dos atentados de 8/1”, completou.

Ele também chamou atenção para os recentes fatos, ocorridos no Plenário do STF, sublinhando que o regimento interno do Supremo não pode se impor diante do Código de Processo Penal (CPP). “Há uma ânsia de poder em alguns segmentos, como o Ministério Público”, pontuou Medina, acrescentando que todas as classes envolvidas na operação do Direito devem “se harmonizar”.

A preservação da democracia no meio forense também foi lembrada pela verdadeira aula magna do também agraciado pela Medalha Rui Barbosa, Antônio Nabor Bulhões. “O processo penal não pode ser concebido ou aplicado como instrumento de pressão. Portanto, definir o estado democrático de direito em oposição ao autoritarismo é, para os advogados, a preservação dos valores constitucionais. E neste sentido é fundamental lembrar que a constitucionalização da OAB não caiu do céu, mas foi resultado de uma projeção histórica. Também somos obrigados a lembrar que não é possível falar numa república brasileira sem falar dos cursos jurídicos nacionais, da mesma forma que é impossível citar a abertura democrática dos anos 80, sem lembrar que a resistência da OAB ajudou a exaurir o regime militar”, rememorou o professor.

Durante sua exposição no painel, Bulhões foi surpreendido pela visita do presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, que, acompanhado da recém-empossada ministra do STJ, Daniela Teixeira, definiu o professor como “o maior e mais completo advogado do Brasil”.

Na sequência, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Néviton Guedes, destacou alguns aspectos penais dos crimes contra instituições democráticas. “Racionalmente, não se pune a conduta pela própria conduta e a punição tem finalidade prospectiva, evitando que aquilo volte a ocorrer, por uma projeção pedagógica. A evolução da ciência penal exige normas estritas e os atentados violentos ao estado democrático de direito podem ser praticados, inclusive, apenas por meio de graves ameaças. Aliás, temos visto muitos debates sobre este tema, muitas opiniões de que isso exigiria a participação das Forças Armadas ou um verdadeiro banho de sangue, mas trata-se de um crime que se consuma pela tentativa e dispensa uma ação revolucionária”, explicou Guedes.

Outros temas abordados foram defesa da democracia e da Constituição; o Direito Administrativo do medo e as exigências do Estado Democrático de Direito; e coerção penal na proteção de bens jurídicos e estabilização democrática: limites constitucionais do Estado Democrático de Direito. “Na virada deste milênio, recuperou-se o discurso do ‘inimigo’ como resposta ao terrorismo e isso fez com que o estado garantidor assumisse um papel mais rigoroso. Apela-se ao discurso da celeridade máxima, antecipando-se, inclusive, a execução penal. Isso se expressa em um déficit constitucional, que interfere negativamente nos direitos fundamentais”, avaliou o membro honorário vitalício da OAB-PR, Juliano Breda. “A política, nos últimos anos, influenciou as maiores investigações criminais recentes, perseguindo, protegendo, promovendo acordos ilegais e vazamentos. Deve haver uma blindagem contra abusos”, acrescentou.

O presidente da Comissão de Moralidade Administrativa da OAB-SC, primeiro vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) e autor do livro Direito Administrativo do Medo, Rodrigo Valgas dos Santos, destacou que a polarização trouxe um outro problema, que é a paralisia decisória. “O alto risco de responsabilização do gestor público faz com que ele se acanhe e, efetivamente, não decida nada. Então, os excessos dos controladores geram aquilo que chamamos de ‘apagão das canetas’, mas a população não consegue perceber que há um enorme conflito, hoje em dia, entre a burocracia e a política”, comenta Valgas. “Isso é muito evidente na ascensão dos não-eleitos do MP, dos Tribunais de Contas e da Justiça Eleitoral, por exemplo. O Brasil é o único país do mundo com uma lei de improbidade administrativa que torna inelegível o gestor que, independentemente de dolo, comete um erro grosseiro”, completa. 

Encerrando o painel e fazendo um contraponto, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) da PUC-Minas, Cláudio Brandão, alertou para o fato de haver uma ‘febre punitiva’ no Brasil, pós 8/1. “O Direito Penal é o termômetro que afere a feição política do estado e, todos nós sabemos, que o estado de direito tem seu preço que é um valor social, a matéria de tipo”, pontuou Brandão, chamando atenção para o fato de muitas das pessoas que já foram julgadas pelos crimes contra o estado democrático de direito, praticados em janeiro, vêm suportando condenações em dobro, já que um tipo penal mais gravoso não estaria absorvendo o outro. “Temos condenações que, infelizmente, não observam os limites do próprio estado, o que afronta uma tradição milenar, já que o saber penal – expresso nas pinturas rupestres – antecede até mesmo a escrita”, ponderou.


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