Para presidente da OAB-PB, atuação da OAB tem que ser firme em defesa da democracia
Harrison Targino, presidente da seccional da Paraíba da OAB, leva à gestão da entidade o entendimento de que é importante que cada advogado ajude a construir a Ordem. É, na visão dele, uma tarefa em benefício coletivo, tanto da categoria profissional, como da sociedade. E, eventualmente, em questões mais específicas a cada um. Nesse sentido, ele estimula a participação em comissões, na Procuradoria de Prerrogativas de forma voluntária — para além do concurso a ser aberto para contratar um profissional fixo para a atividade —, e investe em formação e capacitação.
Targino explica que a seccional notou ser significativa a parcela de profissionais com até cinco anos de formados com dificuldades diante das transformações e desafios impostos pela pandemia. No programa Conecta, então, a ideia é oferecer um panorama de cada área de atuação do direito e da vida profissional. Há, ainda, a vertente de empreendedorismo, em que são abordados marketing jurídico, estrutura organizacional e tributária de escritório, captação de clientes, relacionamento entre advogados, posicionamento no mercado, além de alguns temas mais contemporâneos, como design law. Por fim, há também uma mentoria, para permitir que o jovem advogado tenha experiência em escritórios já consolidados.
“Esse curso, voltado, insisto, para os jovens advogados que recebiam a carteira, terminou por atrair, para se ter ideia, 2 mil advogados. Mesmo advogados outros que já haviam passado por essa fase se motivaram a voltar a refletir, discutir, compreender os fenômenos mutáveis nos vários ramos de direito”, disse o presidente da seccional.
Para além do foco na estruturação da carreira dos inscritos, Harrison Targino compreende que a OAB também precisa estar nos grandes debates da sociedade, mas sempre com parcimônia. A OAB tem, segundo ele, a responsabilidade de buscar recompor a nação, garantindo a tolerância em relação às várias perspectivas e a garantia de uma condução democrática nas relações de poder. O caso é de atuar como intermediário nas relações de poder. Mas com o cuidado de evitar a partidarização.
“A atuação da OAB tem que ser firme, mas apartidária, para garantir a ela a independência e não a colocação em espaços específicos das narrativas políticas e, com isso, perder a credibilidade. E o grande mérito, dentre outros, de Beto e toda a diretoria, é ter reposicionado a OAB no que tange às lutas sociais e também às lutas da própria advocacia, neste caminho de equidistância em relação às narrativas políticas e de firme disposição de lutar pela democracia e pela defesa das prerrogativas da nossa categoria.”
Confira aqui a íntegra da entrevista.
CFOAB – Qual será o foco de sua gestão?
Harrison Targino – Nós elegemos, enquanto função primordial desta gestão, a defesa das prerrogativas e valorização dos advogados, bem como a integração efetiva do advogado com a Ordem. Nós temos uma série de atividades voltadas à busca da valorização da advocacia, respeito à sua atuação profissional e defesa das prerrogativas. Não por entendermos que advogado é melhor do que qualquer profissão, porque não o é. Ela é tão importante quanto todas as outras. Mas para a defesa afetiva dos direitos dos clientes a ele submetidos é imprescindível que o advogado tenha plena autonomia e independência em seu agir profissional. E, na defesa deste agir profissional, a OAB estará sempre atenta e vigilante para que não haja autoridade a passar impune em qualquer ato de agressão ou afetação às prerrogativas da advocacia. Ao mesmo tempo, nós temos uma vertente que chamamos de integração da advocacia à Ordem e que consiste em ampliar a pertença que cada advogado e advogada deve ter com a sua entidade, de modo que eles possam cada vez mais sentir a OAB de portas abertas, a OAB preparada e a retribuir em serviços e, sobretudo, preocupada em transmitir habilidades e competências necessárias nesses tempos de tantas transformações e de tantos desafios.
CFOAB – O senhor mencionou ter uma série de atividades sobre esse tema da defesa das prerrogativas e valorização dos advogados. Poderia dar alguns exemplos?
Harrison Targino – Nós temos, basicamente, uma rede de proteção da advocacia que compreende a atuação voluntária de uma comissão central de prerrogativas, além de comissões em cada uma das sucessões. De forma articulada, tendo havido já reuniões de preparação e aperfeiçoamento de técnicas de defesa, e de formação de estratégias de defesa das prerrogativas. Ao mesmo tempo em que temos também uma Procuradoria de Defesa Prerrogativas, para que possa atuar nos processos administrativos e judiciais que envolvam interesses da advocacia. Estaremos, inclusive, agora no segundo semestre, abrindo concurso público para a Procuradoria das Prerrogativas, de forma a garantirmos, ao lado do voluntariado, a profissionalização. Não abriremos mão do voluntariado solidário, que significa participação dos colegas na defesa do comum. Esse termina sendo um espaço de coletivização, um espaço pedagógico, de interação importante. Mas, de todo o modo, é preciso garantir profissionalização para esta rede de proteção. Faço questão de acentuar que o voluntariado é também importante. Essa rede de proteção que as comissões de prerrogativas têm, baseadas no voluntariado, termina atraindo a responsabilidade solidária, um sentido de pertença de todos e de responsabilidade, porque defendendo qualquer advogada e advogado estaremos defendendo a nós mesmos. Nós tivemos, na Paraíba, sérios problemas de relação com setores da polícia que já demandaram, inclusive, uma atuação muito forte no mandato passado. Fizemos um grande desagravo, com a presença do presidente Nacional da OAB, de boa parte do sistema da Ordem. E esse é um tema que merece de nós um cuidado muito especial. Aqui na Paraíba, a Presidência da Comissão de Prerrogativas é da colega Janny Milanez. Mas eu digo sempre que é repartida com o próprio presidente da entidade, que deve assumir a condução e a responsabilidade de estar atento a este delicado e importante espaço de atuação.
CFOAB – Qual é a importância da OAB para a advocacia?
Harrison Targino – A OAB quase centenária em sua história tem uma significativa importância na vida social e na vida republicana da nação. Nos mais sensíveis momentos, nos mais destacados instantes da vida nacional esteve a OAB. À frente dos movimentos sociais, ao lado da sociedade, na defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e na defesa de mais igualdade e mais justiça. Em relação à nossa categoria, especificamente, a OAB tem sempre tido um papel de representação importantíssimo, seja como voz da advocacia frente aos poderes, particularmente ao Poder Judiciário, seja como um elemento de articulação das atividades profissionais, seja enquanto controle seja enquanto impulsionamento das atividades. Nenhuma outra profissão tem um privilégio que tem a nossa de ter uma entidade prestando tantos serviços nas mais diferentes áreas e tão atenta, em todo o sistema, às necessidades da advocacia. Creio que esse é um sentimento muito forte da advocacia brasileira. A OAB não pertence nunca aos gestores temporários, mas pertence efetivamente à advocacia. E quanto mais isto ficar destacado, mas teremos oportunidade de perceber a advocacia tomando conta do que é seu.
CFOAB – Qual é a importância da OAB na sua vida?
Harrison Targino – Na minha vida se misturam um pouco a advocacia e os momentos de Ordem. Eu comecei como membro de comissão na OAB da Paraíba, depois fui conselheiro suplente, conselheiro estadual titular, vice-presidente da identidade, membro de várias comissões nacionais, diretor da Escola Superior de Advocacia, conselheiro federal e, mercê da generosidade dessas advogadas e advogados paraibanos, terminei agora estando para servir na Presidência da OAB. Em toda a minha vida, sempre tive a OAB como o grande espaço de atuação profissional e com a qual eu sempre tive o maior zelo, respeito e carinho. E esse tempo que dedico à Ordem é um pouco da responsabilidade que temos em construirmos juntos a entidade que efetivamente nos representa. Eu sou muito feliz de ter tido a oportunidade de servir nas instâncias da Ordem e tenho muita alegria de delas participar.
CFOAB – Pode contar um pouco da sua história com a advocacia, de onde surgiu o interesse?
Harrison Targino – Eu sonhava em fazer muitos cursos. Cheguei a pensar em fazer engenharia nuclear. Mas fiz um encontro vocacional à época e me decidi pelo Direito, sobretudo pelo sentido de justiça e busca do justo que o curso trazia e traz consigo. No bacharelado em Direito, descobri o quanto é bela a profissão e o quanto é belo o tema que vivemos nela, que atrai uma necessária perspectiva do todo. Isso sempre me atraiu no direito, bem como a possibilidade de, através dos instrumentos do direito, podermos lutar por mais justiça, igualdade, efetividade de direitos. Fiz concurso para professor e lecionei por quase 35 anos. Eu tenho que, na vida, eu só fiz aprender direito, ou militar em direito. É essa paixão que me move a todo tempo e que me reenergiza a todo instante. Quem tem a condição ou a inteligência de usar bem as suas potencialidades e transformar o seu dia a dia em um momento de paixão e sacerdócio termina vivendo mais feliz e vive sempre apaixonado.
CFOAB – Gostaria de falar de outros temas que julga importantes?
Harrison Targino – Ao lado dessa defesa de prerrogativas, que une todo o sistema e está muito acentuada nesses tempos, ao lado de uma preocupação também com a função social que a OAB exerce, na defesa intransigente da democracia e por mais igualdade e efetividade de justiça, nós temos tido uma preocupação, na Paraíba, muito forte com o empoderamento da mulher advogada em seus espaços de atuação profissional, não lhe fazendo favor, mas reconhecendo o seu espaço. A Paraíba criou uma rede específica, chamada rede sororidade, cuja função é exatamente articular as ações voltadas à mulher advogada e suas bandeiras na Paraíba, coordenando as tantas comissões que existem, em todas as comissões.
CFOAB – A seccional também tem um programa direcionado à jovem advocacia.
Harrison Targino – É outra preocupação muito forte. Isto porque compreendemos que os jovens os que terminam o curso nos últimos cinco anos, tem significativa parcela de colegas que estão nessa faixa e enfrentam muito fortemente os desafios e as transformações profundas que a profissão passou nesses últimos anos. Nós temos um vendaval em transformações, de perspectivas. E por isso criamos aqui o programa Conecta, que tem a pretensão de ajudar a jovem advocacia e o advogado mais antigo a reposicionar-se no mercado e a redefinir trajetórias. Esse programa tem, basicamente, três linhas de atuação. A primeira chama-se Impulso, que consiste em uma série de conteúdos voltados ao mundo profissional com a pretensão de minimamente apresentar a vida profissional nas diferentes áreas do saber. Nós temos a concepção de que a universidade ensina muito, mas não ensina a advogar. A gente vai aprender a advogar na prática. E aí é a OAB, através das suas escolas, que deve ajudar neste percurso. O programa Impulso é, portanto, o programa de iniciação, utilizando a experiência dos mais antigos para transmitir aos mais jovens pílulas específicas, pragmáticas e voltadas ao mundo profissional nas mais diferentes áreas de saber. Esse curso voltado, insisto, para os jovens advogados que recebiam a carteira, terminou por atrair, para se ter ideia, 2 mil advogados. Mesmo advogados que já haviam passado por essa fase se motivaram a voltar a refletir, discutir, compreender os fenômenos mutáveis nos vários ramos de direito. Ao lado desta linha, a gente tem uma escola de empreendedorismo, que consiste em um espaço de discussões sobre o advogado empreendedor, a sua faceta de realização profissional num mercado tão difícil. Neste campo, fala-se em marketing jurídico, estrutura organizacional e tributária de escritório, captação de clientes, relacionamento entre advogados, posicionamento no mercado, além de alguns temas afins, alguns bem contemporâneos, como design law, todos voltados a garantir que o advogado se habilite melhor no mercado. Dentro dessa escola de empreendedorismo há também, inclusive, um espaço para um teste vocacional para que o advogado possa perceber suas afinidades mais específicas, além de um contato com os advogados da área que tenham mais experiência, que já tenham feito um percurso de vida profissional e que possam, portanto, transmitir um pouco de seus equívocos e seus, sobretudo, acertos. Por fim, tem uma uma terceira vertente que é uma mentoria, voltada a permitir que o jovem advogado tenha experiência em escritórios já consolidados, até para perceber se é mesmo naquela área de interesse ou para reconhecer a forma de atuar específica a determinadas áreas. Então esse programa Conecta é a nossa grande estratégia de ligação com o advogado, para que ele possa sentir uma OAB mais próxima das suas demandas concretas de atuação profissional.
CFOAB – E que desafios, expectativas, perspectivas este período de retomada impõe à gestão da OAB?
Harrison Targino – O mundo mudou. E mudou com tanta velocidade que também impactou fortemente a nossa área profissional de atuação. As relações não são as mesmas e nós precisamos nos afeiçoar aos novos tempos. Houve um aprofundamento e uma celeridade na virtualização dos processos judiciais e da relação instrumental de tecnologia no direito e é preciso que para ela nos preparemos. Um desafio presente é garantir que a relação com o Judiciário se estabeleça respeitando-se as prerrogativas da advocacia, que consiste em ter acesso ao magistrado, com ele despachar, e aí também ao cartório. Nós estamos enfrentando este tema muito fortemente da reabertura dos fóruns, um serviço público que deve estar aberto à população e tem sido o último serviço público a se mostrar aberto à sociedade. Eu vejo muito essa discussão sobre o atendimento. O grande ponto que impacta a advocacia é a dificuldade de ser atendida, seja nos cartórios ou nas atividades cartorárias, seja através dos magistrados. A OAB da Paraíba tem tido uma preocupação muito acentuada com a reabertura dos fóruns físicos garantindo ao advogado o acesso e sobretudo com atendimento presencial ou telepresencial para que o advogado possa ser a voz de quem o contrata e possa exercer plenamente em suas atividades. Lamentavelmente, de vez em quando, nós enfrentamos problemas no que tange ao atendimento da advocacia. A OAB já peticionou ao TJ, ao TRT, ao TRF, bem como ao TRE, para que se possa encontrar uma mecânica que não leve a um certo isolamento do Judiciário da população e, sobretudo, do advogado, para que nesse processo de aprofundamento das tecnologias virtuais, nós não tenhamos um vácuo de atendimento ou a mecanização de atendimento. A atuação do advogado é imprescindível e necessária e o atendimento e o diálogo são essenciais, e nós não podemos prescindir ou dispensá-los.
CFOAB – Quanto aos tempos que vivemos no Brasil, como o senhor entende que a Ordem deve se posicionar?
Harrison Targino – A OAB tem uma responsabilidade de tentar buscar, na medida de suas forças, naturalmente, recompor a nação, garantindo a tolerância em relação às várias perspectivas e a garantia de uma condução democrática nas relações de poder. Esse desafio que nos é dado deve nos levar cada vez mais a buscar ser intermediário nas relações de poder, para que possamos ajudar a sociedade. Tendo-se o cuidado de que a OAB se partidarize ou se misture com as narrativas circunstanciais. Já dizia, por exemplo, o presidente Marcus Vinícius Furtado Coêlho: a OAB não pode ser comentarista de casos, mas protagonista de causa. A atuação da OAB tem que ser firme, mas apartidária, para garantir a ela a independência e não a colocação em espaços específicos das narrativas políticas e, com isso, perder a credibilidade. A OAB passou recentemente por períodos tormentosos nesse aspecto. E o grande mérito, dentre outros, de Beto e toda a sua diretoria, é ter reposicionado a OAB no que tange às lutas sociais e também às lutas da própria advocacia. Daí o êxito que vemos muito fortemente na gestão atual da direção nacional da OAB, a unanimidade que se tem nas instâncias deliberativas da Ordem, o apreço que se tem a Beto quando visita as unidades quando das posses. Eu pude presenciar o apreço da advocacia brasileira à postura e à participação desta diretoria, que reposicionou a Ordem neste caminho de equidistância em relação às narrativas políticas e de firme disposição de lutar pela democracia e pela defesa das prerrogativas da nossa categoria.
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