Presidente da OAB-MA: "Por meio da Ordem podemos transformar vidas"

O presidente da seccional do Maranhão da OAB, Kaio Vyctor Saraiva Cruz, defende que a Ordem esteja sempre aberta e proativa às pautas relevantes da sociedade. A gestão já instalou na entidade observatórios de candidaturas femininas, cotas raciais, a Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil e prevê criar o Conselho de Direitos Humanos, de atuação conjunta com outros órgãos, como as comissões de Direitos Humanos, de Direitos da Pessoa Idosa, de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Para o presidente, essas são formas tanto de pontuar temas que são relevantes para a sociedade como de aproveitar o potencial que a Ordem tem de contribuir com a sociedade. Nesse contexto, a atuação deve ser, também, ponderada. “A Ordem deve se manter firme, apartidária, trabalhando como bandeira a nossa sociedade, a democracia, sem adotar o lado de A, B ou C, mas sempre adotando uma posição em prol da sociedade.”

Kaio Saraiva foi eleito o presidente mais jovem dentre as Seccionais do país, assumindo a Presidência aos 34 anos. Ele pretende, portanto, olhar para a advocacia jovem, criando cursos, pós-graduações, fornecendo estrutura material e de trabalho aos recém-inscritos. Mas, ao mesmo tempo, olhar para aqueles que estão em outros estágios da carreira e oferecer capacitação para todos, destacando novas ferramentas usadas no dia a dia da profissão. 

Confira aqui a íntegra da entrevista. 

CFOAB – Qual será o foco de sua gestão?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – Acabamos de passar por um período bem complexo, tanto para a advocacia quanto para a sociedade. Esse período trouxe impactos econômicos muito fortes. Vejo que o grande papel da Ordem nos próximos dois anos, nesse retorno pós pandemia, é o de traçar ações para, inicialmente, gerar oportunidades de trabalho para a classe e também dar suporte especial à jovem advocacia, que passa pela capacitação, pela especialização, tendo a consciência de que o jovem advogado tem o conhecimento do Direito, mas, regra, precisa de suporte para ingressar no mercado e advogar. Muitos não têm oportunidade de fazer um estágio e a concorrência aumentou muito. Hoje, a advogada ou o advogado tem que trazer outros elementos para desenvolver a sua atividade e se destacar no mercado, conhecimento além do direito básico. Essa é a avaliação que temos. Ele tem que conhecer muito bem hoje oratória jurídica, marketing digital, saber como fazer prospecção no mercado de trabalho, captação de causas, mas dentro das regras do Código de Ética e Disciplina. Nesse processo, nossa Escola Superior da Advocacia (ESA/MA) tem um papel essencial para oportunizar a qualificação nas diversas áreas do Direito, o que temos feito muito bem e que nos levou a ser referência no ensino jurídico em nosso Estado. Entretanto, precisamos avançar e ofertar conhecimentos em novas áreas como o Direito Digital, o compliance, o Direito Notarial e Registral, o Agronegócio, Direito Marítimo e Portuário, que são áreas muito pujantes, que precisam ser melhor exploradas e apresentadas à nossa classe. Ademais, precisamos compreender que não se concorre no mercado de trabalho pelo valor dos honorários, mas pela qualidade do trabalho apresentado para o constituinte ou para o possível cliente. Entramos num ciclo de concorrência por redução de horários. Esse não é o melhor caminho, pois desvaloriza toda a advocacia. Então, nesse ponto, o papel da ESA/MA é preponderante para que se tenha uma oferta de serviço qualificado e se possa cobrar a justa remuneração.

CFOAB – Nesse contexto, também há uma preocupação com as estruturas materiais à advocacia?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – Nós ofertamos diversas estruturas para a advocacia, proporcionar condições dignas de estrutura e capacitação para o advogado exercer a profissão são princípios de nossa proposta de gestão. Infelizmente vivemos hoje um momento de oferta excessiva de cursos de direito, o que tem sido nomeado de “estelionato educacional”, onde não há o mínimo de critérios para realização de vestibular. A Ilha de São Luís tem uma população de 1,5 milhão de habitantes e essa oferta de cursos faz com que tenhamos por semestre mais de 1 mil novos bacharéis. Esses colegas saem da faculdade e ingressam no mercado de trabalho sem ter ainda as mínimas condições físicas para advogar. Observando esse cenário, temos buscado oportunizar essas condições para o jovem advogado, por meio de parcerias com casas de coworkings. Na sede e nas 17 subseções do estado, disponibilizamos os escritórios compartilhados, espaços que contém toda a estrutura necessária para quem está começando a carreira ou precisa de suporte no seu dia a dia, como salas de atendimento com computadores para peticionamento, impressoras, internet, salas de reunião etc. Algumas subseções ainda contam com auditórios para cursos e eventos e Salas da Advocacia nas Comarcas. Tudo isso disponível para a advocacia que milita em cada subseção e regiões circunvizinhas. Pretendo concluir nos próximos três anos a instalação de todas as salas da advocacia nos fóruns de todo o estado. Em 2016, tínhamos cerca de 113 comarcas e salas apenas em 20 delas. Encerramos a gestão do Ex-Presidente Thiago Diaz com cerca de 50 salas. Hoje, temos 135 comarcas, com 90 salas equipadas e em pleno funcionamento no estado. E quero encerrar a gestão com sala em todas as comarcas que temos no estado.

CFOAB – Qual é a importância da OAB para a advocacia?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – A Ordem é fundamental para garantir uma advocacia forte em nosso país, fiscalizando e assegurando o pleno exercício da profissão, de forma ética, com base nas normas vigentes que regulam a nossa classe. No Maranhão, os nossos maiores objetivos são justamente reafirmar o compromisso com o pleno exercício da advocacia, por meio da garantia da defesa das prerrogativas das advogadas e advogados; e assegurar a qualidade dos profissionais que estão entrando no mercado. A nossa gestão tem prezado, também, pela profissionalização do Sistema de Defesa das Prerrogativas, para que possamos fornecer todas as orientações e suporte para as advogadas e advogados maranhenses, sempre que precisarem. Isso, com certeza faz com que o profissional não desacredite na força da instituição para fazer a defesa de suas prerrogativas. O alto número de profissionais atualmente no mercado deveria garantir mais força para a Ordem na sociedade, entretanto, isso tem exige cada vez mais preparo da classe em virtude da exposição dos profissionais favorecendo o aumento de violações de prerrogativas. O que não podemos permitir que ocorram por falta de conhecimento técnico ou inexperiência. Faz parte do nosso papel acompanhar, orientar, fiscalizar e enfrentar esse cenário. Um dos aspectos que queremos mudar é o acionamento do Sistema de Prerrogativas apenas após a violação, com o atendimento, o reparo, o desagravo. Temos que realizar um trabalho anterior que reforce entre as autoridades e os tribunais a ideia de que violar prerrogativas da advocacia tem um custo caro, constitui crime e precisa ser observado. Quanto à qualidade dos profissionais que estão entrando no mercado, temos desenvolvido um trabalho muito forte de capacitação da advocacia e, assim, entregar para a sociedade profissionais que atuem com ética e responsabilidade em suas causas. 

CFOAB – Qual é a importância da OAB na sua vida?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – Por meio da Ordem posso servir, mudar o curso da história e transformar vidas com trabalho sério. Hoje proporcionamos a jovens advogados condições dignas de exercício profissional e capacitação de qualidade, o que não existia quando iniciei na advocacia. Tenho 10 anos de exercício profissional e cursei Direito no DF. A minha inscrição originária é do Distrito Federal, depois transferi para o estado do Maranhão. Hoje sou o presidente da Ordem mais jovem em exercício, com 34 anos. Em 2016, a OAB Maranhão passou por uma mudança muito forte com a eleição do presidente Thiago Diaz por conta do trabalho árduo de um grupo jovem, que não tinha a vivência tradicional com a Ordem.  Até o ano de 2015 eu não tinha tanta aproximação com a instituição, sentia uma OAB distante, que servia apenas para funções administrativas e poucos eventos. Mas, de 2016 em diante, passei a conviver de forma mais ativa nesse ambiente da Ordem, a conhecer mais pessoas e me relacionar mais. Foi quando conheci a estrutura do sistema, as “prerrogativas” e passei a participar das comissões, a construir parcerias de trabalho em outras áreas do Direito. Em seguida, fiz parte da diretoria da Escola Superior de Advocacia e fui presidente da Comissão da Advocacia Municipalista, depois fui para a diretoria financeira da nossa Casa e hoje, três anos depois, estou na Presidência. Então, na Ordem, tive a oportunidade de conhecer outras áreas do Direito, construir relacionamentos e hoje posso realizar e transformar vidas de forma positiva.

CFOAB – Pode contar um pouco da sua história com a advocacia, de onde surgiu o interesse?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – Eu não tenho familiares no Direito. Minha família é de comerciantes. O Direito surgiu como uma possibilidade por gostar da leitura jurídica e do enfrentamento. Nas avaliações de carreira que fiz no Ensino Médio, o Direito aparecia como uma possibilidade. A dúvida era entre Medicina e o Direito. Optei pelo Direito, e hoje, mais do que nunca tenho certeza que fiz a escolha certa. Cursei dois semestres aqui no Maranhão. Depois mudei para o Distrito Federal, onde tive certeza de que queria ser advogado. Venho de família muito simples. Durante minha vida acadêmica em Brasília, fui balconista de padaria e trabalhei no Extra, no Carrefour. Antes de concluir o curso, estagiei no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o que me fez ter o Direito do Trabalho como referência. Após o estágio optei por concurso, mas não queria algo que me afastasse da advocacia. Voltei para o Maranhão em 2012, mas sempre estudando para concurso público. Já aprovado no Exame da Ordem, fui aprovado no concurso para procurador municipal do município de Pedreiras em 2012. Assumi como Procurador no final de 2013, mas sem me afastar de advocacia privada. No período em que estava terminando a faculdade, tinha o objetivo de ser aprovado no concurso público para ter renda segura para dar sustento ao meu filho, Mateus, recém-nascido. O concurso público para a procuradoria foi a solução, pois não precisei me afastar da advocacia. Hoje, o Matheus tem 12 anos é meu grande companheiro e que divide comigo, ao lado da minha esposa, companheira e também advogada, Lilianne Saraiva, toda essa minha história de lutas e conquistas na vida pessoal e na advocacia.

CFOAB – Gostaria de falar de outros temas que julga importantes? 

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – Eu sou do interior do Estado, minha família é de Pedreiras. E nós tivemos uma aproximação muito grande com a advocacia do interior. O Maranhão é um dos maiores estados em extensão territorial do país e nós temos aqui, em expansão, a um movimento de interiorização da Ordem. Nos últimos anos, conseguimos chegar nos lugares mais longínquos onde a advocacia está e de fato precisa. É uma OAB presente. Essa é uma das ações mais importantes que conseguimos desenvolver nos últimos anos e vamos seguir com esse trabalho. Mais capacitação, mais estrutura, mais valorização e representatividade para a advocacia da capital e do interior do estado. Essa presença forte da OAB se evidencia pelo trabalho abnegado de cada presidente de Subseção, cada diretor, cada conselheiro e de presidentes de comissões que não medem esforços na defesa da classe e em prol da garantia dos direitos essenciais de cada cidadão e cidadã do nosso Maranhão.

CFOAB – Por fim, poderia falar um pouco sobre como é gerir a OAB num momento de pandemia? Expectativas, desafios, perspectivas daqui para frente.

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – A pandemia trouxe impactos sérios para a advocacia e, consequentemente, para a Ordem. Hoje, nós enfrentamos uma inadimplência em torno de 50%, o que compromete a realização de alguns projetos que tínhamos traçado, pois precisamos equilibrar receitas para manter os serviços já oferecidos para a advocacia e para o desenvolvimento de novos projetos que ampliem os serviços na capital e no interior. Então, o nosso desafio tem sido administrar essa inadimplência para que a advocacia perceba a importância da sua contribuição, que ela representa um investimento de retorno. Cada anuidade é revestida em benefícios para a própria classe através das salas da Advocacia em 90 comarcas, 6 escritórios compartilhados na capital, ações esportivas, consultas, exames ofertados pela CAAMA, sede das subseções com toda a infraestrutura administrativa necessária, Van da advocacia, cursos de Pós-graduação e eventos gratuitos, dentre tantos outros benefícios. É preciso que a advocacia reconheça que a Ordem, de fato, está trazendo serviços relevantes para os advogados e advogadas e que a anuidade não é apenas uma obrigação pecuniária. 

CFOAB – Falamos da importância da OAB para a advocacia, mas o senhor também mencionou o papel de destaque da OAB na sociedade. Como tem que ser essa atuação?

Kaio Vyctor Saraiva Cruz – A Ordem precisa se manter sempre aberta e proativa às pautas relevantes da sociedade. Aqui, por exemplo, neste ano, já instalamos o Observatório de Candidaturas Femininas, o Observatório de Cotas Raciais, nós temos a Comissão de Direitos Humanos, a Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil. Vamos criar agora o Conselho de Direitos Humanos, buscando trabalhar esses temas de forma mais coletiva, trazendo a Comissão de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos da Pessoa Idosa, a Comissão de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente, para que possamos discutir temas relevantes para a sociedade e dar a nossa contribuição. Neste ano, de forma muito especial, por se tratar de um ano eleitoral, onde haverá uma polarização muito grande, dentro do sistema partidário e, principalmente, na sociedade, a Ordem deve se manter firme, apartidária, trabalhando em prol dos interesses da nossa sociedade e da democracia.


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