“Quero facilitar a vida de quem está na ponta”, diz presidente da OAB-CE
Erinaldo Dantas é presidente da seccional da OAB no Ceará pela segunda vez. Já foi presidente da Caixa de Assistência, vice-presidente por um período, tesoureiro e presidente da Comissão de Direito Tributário, na entidade. Hoje, é também coordenador do Colégio de Presidentes da OAB Nacional. Depois de tantas funções no Sistema OAB, elencou como prioridade para esta gestão unir a classe.
Além disso, o retorno ao trabalho presencial e a interiorização das estruturas da OAB no estado são objetivos que devem balizar a gestão. “É a OAB ter a consciência de que podemos tomar algumas medidas que facilite a vida de quem está na ponta. E nada melhor do que aqueles que atuam nas respectivas áreas”, diz.
Para ele, a OAB foi criada por advogados para melhorar o exercício profissional. “Ou seja, a advocacia não existe para a OAB. É o contrário.” Assim, na visão de Erinaldo Dantas, a partir do momento em que o trabalho pleno do advogado é garantido, o sistema todo funciona, inclusive a proteção do Estado Democrático de Direito. “Por isso, eu vejo a instituição como fundamental.”
Confira a íntegra da entrevista.
CFOAB – Qual será o foco de sua gestão?
Erinaldo Dantas – Na OAB-CE, eu enxergo três lições importantes que tenho para desenvolver. A primeira é tentar manter a classe unida nesse ano, que vai ser um ano de divisão. Como fazer isso? É deixar a OAB fora da política. O primeiro desafio é manter a classe unida, tirar a política partidária, não permitir que entre aqui na OAB do Ceará. É trazer para a classe o seguinte pensamento: o que nos une enquanto sociedade é muito mais forte do que aquilo que nos separa. O segundo ponto é viabilizar o exercício da nossa profissão nesse momento em que vamos saindo da pandemia. Estamos com dificuldade de acesso aos magistrados, os advogados com dificuldade enorme de ter onde trabalhar. Eu estou construindo uma central de coworking, fazendo estacionamento aos advogados ao lado do fórum. Os cursos aqui pela ESA (Escola Superior de Advocacia) são gratuitos e quem faz curso aqui ganha desconto na anuidade. O pessoal da Comissão de Tributário, por exemplo, montou aqui o primeiro e até agora único ponto da Receita Federal. Colocamos um ponto aqui, do mesmo jeito que conseguiu do INSS, colocamos um ponto da Receita, da PGFN (Procuradoria-geral da Fazenda Nacional). Manter a classe unida, viabilizar e facilitar o exercício profissional, e, três, dar atenção especial ao interior do estado.
CFOAB – Pode detalhar o plano de interiorização?
Erinaldo Dantas – Há uma realidade nossa diferente do que acontece no resto do país, uma realidade do Nordeste. É a falta de desenvolvimento do interior. Temos uma concentração de 80% dos advogados em Fortaleza e 20% em todo o interior. Estamos querendo levar estruturas da OAB pelo interior, construção de sedes, porque junto com a sede vem todo um serviço incluído, como coworking, e por meio do fomento da advocacia dativa, que hoje é concentrado em poucos.
CFOAB – Qual a importância da OAB para a advocacia?
Erinaldo Dantas – Eu costumo dizer que a OAB oferece mais serviços para os seus inscritos do que todas as outras entidades de classe somadas. Para a advocacia previdenciária, que tem a maior quantidade de praticantes, não tem só tem os postos do INSS aqui em Fortaleza, mas também o sistema que permite acesso às informações necessárias. Esse sistema é conseguido através de um convênio da OAB. Os alvarás que eles recebiam eram bloqueados pela Justiça. Fomos ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e conseguimos que eles pudessem receber os alvarás com os honorários destacados. Se você for para a área criminal, sem a OAB, eles não conseguem advogar. É o tempo todo violação de prerrogativa, é o tempo todo a OAB atuando para garantir que eles tenham acesso a direitos constitucionais mais elementares. A advocacia é uma instituição que garante o Estado Democrático de Direito principalmente por meio da sua defesa intransigente da capacidade de advogar. Na hora que você permite que os advogados possam trabalhar, o sistema funciona. Por isso, eu vejo a instituição como fundamental. Não só para a democracia, mas fundamental para o nosso exercício profissional. E assim vamos seguir nesta gestão: defendendo as prerrogativas e resgatando a dignidade da advocacia.
CFOAB – Qual é a sua história com a OAB?
Erinaldo Dantas -Não sou um cara expansivo, sou um cara tímido, eu fiz engenharia. Eu fazia engenharia mecânica na Universidade Federal do Ceará (UFC) antes de fazer direito. Gosto é de matemática. Eu comecei a fazer direito porque namorava uma moça e eu queria ter dinheiro para me casar com ela; vi que na engenharia isso ia demorar muito. Minha mãe tinha um escritório de advocacia e eu achei que no direito eu ganharia mais rápido. Só que eu não queria ir para o direito porque tinha o preconceito de quem vive de paletó e gravata. Minha cabeça era de engenheiro, mas eu conheci o direito tributário e entendi como uma forma de conseguir aplicar a matemática no direito. Comecei a ver uma série de discussões, principalmente de IPTU, e a única instituição que tinha um acervo técnico para discutir era a OAB. Na OAB aqui do Ceará não tinha ninguém que tratasse isso, na época eu reclamei com o presidente e criamos a comissão, tendo em seguida sido nomeado para a presidência. Na comissão, entramos com mais ações em defesa do contribuinte, defesa da sociedade, de 2004 a 2009, do que todas as outras gestões somadas. Fui presidente de Caixa também. A fonte de receita da Caixa era o repasse da OAB, que representava mais ou menos R$ 200 mil por mês, e a Caixa gastava na época R$270 mil. Três anos depois, a Caixa passou a oferecer o dobro dos serviços e passou a gastar R$ 130 mil. É uma paixão enorme que eu tenho pela OAB. Sou um antes e outro depois da OAB. A OAB pegou um cara tímido, calado, com perfil de engenheiro, e me deu uma experiência de vida incrível. Convivi com gente diferente. Abre a sua cabeça. Tem muita pobreza na advocacia, algo que para mim não existia. Ajudei muitos em situação difícil e isso funciona como alimento para a alma.
CFOAB – Como foi ser presidente da Ordem durante a pandemia? Como está sendo agora na retomada?
Erinaldo Dantas – A pandemia foi o momento mais difícil, acho que de todas as gestões. Eu trabalhava 18 horas por dia. Na mesma hora que o lockdown foi decretado no estado, liguei para o governador, para o prefeito, para o procurador-geral, para garantir que a advocacia fosse atividade essencial e para que pudesse ter livre circulação. Se alguém fosse preso porque estava circulando, se alguma loja fosse fechada por causa do lockdown, quem ia fazer a defesa? Falamos com Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Tribunal de Justiça, para os juízes darem prioridade aos alvarás para garantir a sobrevivência da advocacia. E criamos um canal para a advocacia. Tivemos muitos desafios. Os bancos estavam fechados e não queriam atender ninguém. A OAB montou um sistema em que o advogado fornecia os documentos, assinava com certificado digital, encaminhava aos bancos e os alvarás saíam em até 48 horas. No paralelo, o trabalho com a advocacia criminal. Era uma questão social, porque a covid ia chegar aos presídios e ia morrer todo mundo. Marquei reunião com o TJ, MP, Defensoria, Secretaria de Administração Prisional e combinamos um mutirão. Os juízes só mantiveram presos pessoas que realmente representavam perigo para a sociedade. O processo de retomada tem sido trabalhoso, mas sabemos o que precisa ser feito. Na pandemia, precisamos inventar a solução e acredito que conseguimos proporcionar opções dignas para a continuidade do exercício da advocacia cearense.
CFOAB – Como a sua experiência na seccional ajuda no trabalho no Conselho Federal e vice-versa?
Erinaldo Dantas – Não tinha como ser coordenador do Colégio sem ser presidente. É bom o coordenador do Colégio ser um presidente reeleito. Eu já consigo ter discernimento para saber o que dá certo e o que não dá. E aí essa experiência funciona para trocar ideia com os meus presidentes. Eu conversei com todo mundo, já sei o que é prioridade. Vamos ajudar a seccional, vamos agilizar procedimento do Fida ((Fundo de Integração e Desenvolvimento Assistencial dos Advogados) para liberar recursos. A vantagem de estar na Presidência e de estar na coordenação é saber onde o calo aperta e ajudar o meu presidente Beto Simonetti e os meus clientes, que são os 26 presidentes das seccionais. Eles brincam que eu sou o presidente dos presidentes. Na verdade, eu sou o empregado dos presidentes. E cada um tem a sua respectiva pauta. E apesar de o nosso trabalho ser igual, a realidade de quem está no Sul é diferente da realidade de quem está no Norte ou no Nordeste. E por isso vamos seguindo com união e muito trabalho em prol de toda a classe.
CFOAB – E tem mais algum tema que o senhor considera importante destacar?
Erinaldo Dantas – Temos a retomada do Judiciário. O momento agora é conseguir a reabertura das portas e que os juízes possam ir de novo trabalhar presencialmente nos fóruns. Mas para as audiências, os atos praticados, que haja um consenso entre os advogados se vai ser virtual ou presencial. E eu uso a seguinte regra: se um dos advogados quiser o ato presencial, fazemos presencial. Agora, se as duas partes não se incomodarem, fazemos virtual. Com exceção da audiência de custódia criminal e do júri, que tem que ser presenciais. Mas a audiência cível, em que você vai discutir dinheiro, recursos e aí forçar o deslocamento das partes, dos advogados até os fóruns… para esse tipo de circunstância, seria melhor o virtual se os dois lados concordarem. É usar a razoabilidade.
Source: New feed