Carta da mulheres negras, latina-americanas e caribenhas ao sistema OAB

NÃO SOMOS UM CORPO ESTRANHO

Somos um corpo estranho nos Sistemas Institucionais, porque
somos um corpo estranho na sociedade.

E nós não queremos estar apenas aquilombadas nas atividades
e comissões com o recorte racial. 
Precisamos e queremos estar em todos os espaços, com participações
visíveis e atuantes.

Assistimos aos ataques racistas nas redes sociais, que tão
somente tinham a intenção do apagamento de movimentações institucionais que
tragam ao cerne do debate, temas necessários como Igualdade como Direito
Constitucional e promoção de relações sociais e raciais mais equânimes.

Tais manifestações, tão hostis, evidenciam a inabilidade de
evolução pessoal e social, assim como a resistência sistêmica que visa a
permanência do que sempre foi posto e do que podemos chamar de Projeto de
Estado Neocolonial.

É importante frisar que a reprodução secular de manutenção
de privilégios, como bem posto pelo presidente do Conselho Federal da OAB
(CFOAB) Dr. Felipe de Santa Cruz Oliveira Scaletsky no seu discurso de abertura
no debate virtual sobre o tema “Desafio das Advogadas Negras no Exercício da
Profissão”, se dá em todos os níveis, nas relações de gênero, pessoais,
afetivas, familiares, institucionais, sociais, econômicas, por se tratar de um
construção estruturante.

As desigualdades históricas são frutos de um processo de
escravização sem precedentes na história da humanidade, considerando a
peculiaridade de procedimentos aplicados aos escravizados que aqui chegaram e
que fomos o último país à declarar a abolição.

Mesmo diante da declaração da abolição, o seu dia seguinte,
14 de maio de 1888, chegou sem liberdade e, até hoje, a objetificação do ser
negro permanece. 

Temos presente na sociedade e nas instituições o racismo
elaborado e refinado, sob o viés epistêmico, recreativo, sexista, encorpado
pelo patriarcado machista e misógino, que exclui e precisa ser revisto e
combatido.  Tal reconhecimento foi
divisor de águas na abertura do evento, quando o presidente do CFOAB, Felipe de
Santa Cruz, afirma em seu discurso histórico:

Esse evento não servirá como história de ninar para
aqueles que hoje ocupam simbolicamente a Casa Grande, e sim para incomodá-los
em seus sonos injustos. Ciente do meu lugar social, de homem, branco, dotado de
todos os privilégios assegurados pela branquitude à minha classe e à minha
raça, estou certo de que devemos reconhecer e respeitar a posição de sofrimento
da vítima de racismo e assegurar seu protagonismo histórico na pauta
”.

Dr. Felipe de Santa Cruz (24/07/2020)

Temos como marco dessa movimentação, a data de 05 de março
de 2020, quando houve a realização da III Conferência Nacional da Mulher
Advogada, em Fortaleza, Ceará, quando um grupo de juristas negras formalizaram
a entrega de uma “Carta Aberta de Juristas Negras” ao Vice-Presidente, Dr. Luiz
Viana Queiroz, naquele ato representando o CFOAB (Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil) e à Presidente da CNPI (Comissão Nacional de Promoção da
Igualdade), Dra. Silvia Cerqueira propondo preambularmente a elaboração de um
Plano Nacional de Ações Afirmativas da Advocacia Negra.

Compreendendo a pertinência das pautas encaminhadas  pelas 
Juristas Negras na  Carta Aberta,
a Comissão Nacional da Promoção de Igualdade elaborou análise e o devido
parecer para a Direção Executiva da CFOAB, fundamentada no que dispõem os
incisos I, II, III, IV e V do Provimento 115/2007, onde recomendou dentre
algumas propostas, o acolhimento da Carta encaminhada pelo grupo de Juristas
Negras, propondo ainda a realização de uma ampla discussão com vistas a
fomentar através de elementos concretos de cunho (histórico, jurídico,
sociológico, antropológico, econômico, filosófico, etc,) subsídios para a
elaboração do Plano Nacional de Ações Afirmativas; e também solicitou o
reconhecimento das datas relativas ao dia 25/07 – Dia da Mulher Negra, Latina-
Americana e Caribenha e do 20/11 – Dia da Consciência Negra como datas oficiais
pelo CFOAB para organização e realização de eventos nacionais. 

E hoje estamos aqui. 

Presentes neste debate amplo e direto, que foi iniciado
através de canais oficiais institucionais, em âmbito nacional, com um processo
de reflexões e ações que, certamente, serão propulsoras de ações para um
sistema OAB mais equânime, igualitário e diverso.

Diante de tantas discussões neste brilhante encontro, ficou
evidente a possibilidade de transformação. 
Reforçar pontos como a inclusão do quesito raça/cor e etnia como
obrigatório no cadastro de novas advogadas e advogados e realização do
Recenseamento das advogadas e dos advogados já cadastradas(os), e independente
do deste processo já abrir a possibilidade de já estabelecer políticas
afirmativas, demonstra que a mobilização já se encaminha para vitórias.

Há muito para caminhar. 

É preciso ainda pontuar questões mais impactantes que
garantam representatividade, como as cotas, de no mínimo 30%, que
interseccionem gênero e raça e que vinculem todas as esferas da OAB,  aplicáveis às composições de diretorias,
conselhos, comissões, corpo de funcionários e de prestação de serviços, às
Escolas Superiores da Advocacia, entre diretorias, coordenações, corpo docente,
instrutoras(es) e palestrantes.

É preciso que a OAB seja, como garantidora do Estado
Democrático de Direito e guardiã das garantias constitucionais, a reprodução da
sociedade, no que tange o combate à desigualdade no Brasil.  

A diversidade necessita estar presente nas políticas
institucionais, para que não fiquemos apenas nos discursos.  Ampliar a participação da mulher negra nas
estruturas é mover todo o sistema, assim como traz a luz a compreensão de
igualdade razoável decorre da assertiva de Boaventura de Souza Santos, quando
afirma que:

“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza e o direito de ser diferentes quando a nossa desigualdade nos
descaracteriza”.

A aplicação das políticas afirmativas sugeridas nos debates
e nos documentos já produzidos, representará o primeiro passo para o combate às
desigualdades hoje ainda experimentadas, com repercussão nas instituições, cujo
exercício simplesmente do Direito a Igualdade está constitucionalmente posto,
por si só. 

Sigamos firmes na luta, porque não seremos mais um corpo
estranho.

 

24 de julho de 2020

 

SILVIA CERQUEIRA         

Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI-CFOAB)       

DANIELA BORGES

Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA-CFOAB)

BEATRIZ SILVEIRA E SANTOS

Advogada Relatora

Membra da Diretoria de Igualdade Racial da OAB-RJ

Vice-Presidente da Comissão de Igualdade Racial da 8ª
Subseção OAB-RJ, São Gonçalo

MARIANA LOPES DA SILVA BONFIM

Membro consultora da comissão Nacional da mulher Advogada do
Conselho Federal da OAB

Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Paraná


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