Painel 38 – Racismo que aumenta a desigualdade

A 24ª Conferência Nacional da Advocacia dedicou um painel, nesta quarta-feira 29/11) para tratar das relações raciais e as consequências dela para a desigualdade e o desenvolvimento. Um dos aspectos tratados foi em relação às políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e desigualdades.

A presidente do painel, Suena Mourão, conselheira federal pelo Pará e presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, ressaltou o fato da mesa de debatedores ser formada 100% por mulheres, o que para ela, aumentou a importância da discussão do tema. Apresentando-se como uma mulher “afroamazônica” e como a primeira advogada da família, Suena considera esse tipo de debate necessário e importante. 

A  relatora Silvia Cerqueira, que é conselheira federal pela Bahia, ressaltou que esse foi um painel potente e que “estamos aqui hoje porque nunca aceitamos ficar só na fotografia”. O painel teve como secretário Ricardo Cunha, conselheiro federal pelo Amazonas. 

Racismo e desigualdade

A primeira palestra teve como temática as políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e desigualdades. Coube à Núbia Elizabette, conselheira federal por Minas Gerais e secretária-adjunta da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do CFOAB, iniciar os trabalhos ressaltando que para tratar do assunto é preciso entender o racismo institucional no Brasil, o estrutural e o psicológico, que muitas vezes não é percebido. 

O racismo, segundo ela, “é uma máquina de destruir seres humanos, e com eles, suas dignidades e sonhos.  Mutila, castra, segrega e mata. O racismo mata a oportunidade de falar de amenidades, já que eles poderiam estar tratando de outros temas.  Mas temos que falar das atrocidades, devido a diferenciação dos seres humanos pela raça”.  Ela enfatiza que ainda vivenciamos no Brasil a “sobrevida da escravidão” e se é mulher, preta e pobre a situação ainda é pior. 

Para Núbia, “essa é uma dívida cultural que o governo tem para com o país e a sociedade tem e precisa se redimir. Citando Nelson Rodrigues, Núbia Elizabette disse que “a vida do preto é toda tecida de humilhações” e faz uma indagação: ”você conhece alguém que esteja cumprindo pena por racismo?”

Desigualdade econômica

Na sequência, foram abordados temas que relacionam raça, desigualdade e economia, como no caso da tributação do consumo e regressividade, tema abordado por Evanilda Bustamante, professora da Universidade Federal de Viçosa. Falar do assunto, para ela, é tratar da desigualdade e, mesmo este não sendo um assunto novo, ele está longe de ser ultrapassado. Isso porque “no sistema tributário, o que tem menos renda acaba pagando mais tributos e é onde essa desigualdade fica escancarada”. No consumo, ela disse que essa diferença na renda também afeta mais no bolso dos mais pobres. 

Dados apresentados por Evanilda Bustamante, mostram que os10% mais ricos no Brasil detém quase 60% da renda e a metade da riqueza patrimonial do país. Em relação a diferença na cobrança de impostos, “os 10% mais pobres comprometem mais de 24% da sua renda com tributação do consumo, já os 10% mais ricos tem 8% de tributação”. No Brasil, segundo ela, “a tributação tem gênero e cor, já que pelas estatísticas oficiais, 42% dessas pessoas mais pobres são mulheres negras e 20% são homens negros”.

Passar essa desigualdade tributária para uma igualdade social, tema da conferência de Daniela Libório, conselheira federal por São Paulo, deve ser motivo de reflexão, no seu entendimento. Para ela, a desigualdade e a injustiça social começam “quando se fala na questão tributária e isso significa dizer que o governo sempre precisa de mais dinheiro, de mais receita. As empresas estão muito oneradas. Em outra linha, tem a população empobrecendo. Onde o governo vai buscar esse recurso? O estado não faz o dever de casa, mas quer mais.” 

Além dessa falta de direção do governo e nas injustiças praticadas em função dessa situação, Daniela Libório entende é preciso se saber de que igualdade estamos falando no país? Para ela, a desigualdade é visível nas cidades na prestação de serviços e na ocupação dos espaços urbanos: “há uma questão racial nas áreas periféricas, com tratamento desigual e acesso diferenciado aos serviços públicos”.

Menos valia

A raça como menos valia econômica complementa o assunto e esse foi o título da palestra de Lilian Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM). Ela começou sua explanação citando uma música cantada por Elza Soares que diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra” para ressaltar que o problema estrutural no Brasil está na maneira de se pensar a cultura. 

A educação, segundo ela, veio de uma estrutura escravocrata e essa consequência é sentida até hoje: “a desvalorização do negro está na base da estrutura brasileira e esse é um problema republicano. O racismo é perverso”. A questão que ela coloca é se o negro vai ficar “nessa situação de dor ou se luta o bom combate”. Mas existem algumas questões que dependem de vontade política e  o problema “está na caneta de quem está no Poder. Esse é um dever do Estado cumprir a política de cotas, porque ele precisa sobreviver. Essa é uma questão de sobrevivência, mas falta gestão e vontade política.”

Salários diferentes para funções iguais

A conselheira federal por São Paulo Alessandra Benedito levou a discussão para os  escritórios de advocacia e práticas de ESG: os desafios do social a partir da perspectiva da inclusão racial. Ela entende que é preciso discutir “o direito de efetivamente nos sentirmos iguais. Hoje temos um número maior de alunos negros nas universidades, mas nem sempre foi assim. Mas as dificuldades e a dor que senti há 25 anos continuam as mesmas em relação aos  alunos de hoje”. 

Ela  relatou a dificuldade em se encaixar em um ambiente, que na maioria das vezes é hostil para os estudantes. No seu entendimento, é necessário para o advogado negro avançar nesses espaços e se instrumentalizar com as demandas do mercado, falando de coisas que sempre existiram, como a questão ambiental, de governança e o social. O ESG nasce justamente de uma demanda no mercado e “o que está dentro do social, está no trabalho bem remunerado e no exercido da atividade com liberdade e quem está no mercado sabe como é difícil ser bem remunerado e ter ambiente digno”.

Alessandra  argumenta que “pela entrega de um mesmo trabalho existe uma remuneração menor para o negro e só se é possível descobrir isso, que o negro ganha menos, quando o colega mostra o contracheque”. Esse é um movimento de valor que o mercado usa para estabelecer o diálogo na mesma perspectiva e é preciso mostrar que “ninguém chega em um espaço sem conteúdo para contribuir por um local melhor e inovador. Nunca se falou tanto em governança, mas os desafios do passado ainda estão presentes”.


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